A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), eleita no início do mês para presidir a Comissão de Consitituição e Justiça (CCJ) da Câmara, foi condenada na última segunda-feira a indenizar em R$ 41,8 mil o ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). A Justiça do Rio concluiu que ela compartilhou uma notícia falsa em que associava o político a Adélio Bispo, autor do atentado à faca sofrido pelo presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018. A palarmentar ainda pode recorrer da decisão do 5º Juizado Especial Cível do Rio.
Para o juiz Fernando Rocha Lovisi, que proferiu a sentença, Bia Kicis “extrapolou seu direito ao caluniar o autor (Jean Wyllys), sem qualquer base verossímil, de ter participado da tentativa de homicídio do Presidente da República”. O magistrado, cuja sentença chega a discorrer sobre as fake news na atualidade, também determinou a remoção de conteúdos publicados pela deputada em redes sociais e determinou que ela publique uma retratação a Wyllys, sob pena de multa de R$ 20 mil em caso de descumprimento.
Em 27 de abril de 2020, Bia Kicis publicou em suas páginas no Facebook e no Twitter uma imagem com os rostos de Wyllys e Adélio acompanhados de um suposto alerta: “Urgente. Em depoimento à PF, testemunha releva que Adélio Bispo esteve no gabinete de Jean Wyllys”. O conteúdo, que ainda continha outros detalhes relativos à informação falsa, foi creditado a uma página de notícias.
Junto à imagem, a página de Bia Kicis no Facebook incluiu uma convocação aos seguidores: “Compartilhem! Para a mídia tradicional essa informação parece não ter importância”. O pedido foi atendido e a publicação chegou a angariar 33 mil compartilhamentos e 4 mil comentários na plataforma.
— Lamentavelmente, a epidemia de fake news, especialmente quando dela participam autoridades da República, tem deteriorado o debate público, fragilizado democracias ao redor do mundo e destruído reputações de pessoas inocentes. Embora ainda caiba recurso, recebemos com esperança essa brilhante sentença, e esperamos que essa punição ajude a conscientizar a todos sobre a importância da verdade e da justiça — afirma o advogado Lucas Mourão, do escritório Flora, Matheus & Mangabeira Advogados Associados, que faz a defesa de Wyllys no caso.
Procurada pelo GLOBO através de sua assessoria de imprensa, Bia Kicis não se manifestou sobre a decisão e não informou se pretende recorrer da condenação.
Junto à ação movida por Wyllys no juízo responsável por decidir sobre pequenas causas, as fake news representam um problema maior para a deputada no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte investiga Bia Kicis desde o ano passado no chamado “Inquérito das Fake News”, que apura a produção de ataques e notícias falsas contra seus ministros.
Conjunto de processos
Wyllys, que deixou o Brasil e a Câmara em janeiro de 2019 devido a ameaças que recebeu e estão sob investigação na Polícia Federal (PF), moveu processos contra Bia Kicis e uma série de aliados de Bolsonaro que fizeram menções online à trama inverídica que o relacionou a Adélio.
As ações visam filhos do presidente — o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) — e os deputados bolsonaristas Bibo Nunes (PSL-RS), Otoni de Paula (PSC-RJ) e Marco Feliciano (Republicanos-RJ). O senador Marcos do Val (Cidadania-ES) também é alvo de uma das causa.
Além deles, há processos de Wyllys, pelo mesmo motivo, contra o advogado Frederick Wassef, que defende a família Bolsonaro; o escritor Olavo de Carvalho; o youtuber Ed Raposo; o empresário Otávio Fakhoury; o jornalista Oswaldo Eustáquio e os ativistas Sara Giromini, conhecida como “Sara Winter”, e Luciano Carvalho de Sá, conhecido como “Luciano Mergulhador”.
Foi por meio de uma entrevista concedida por Luciano, em abril de 2020, que nasceu a mentira sobre a ligação entre Wyllys e Adélio Bispo. Na ociasão, ao ser entrevistado ao vivo no Youtube por Oswaldo Eustáquio, Luciano afirmou que aparecia ao lado de Adélio em uma foto tirada durante uma manifestação, meses antes do crime. De acordo com ele, na ocasião, Adélio teria elogiado Wyllys e mencionado uma visita ao então deputado na Câmara, em Brasília.
Em depoimento prestado à Polícia Federal (PF) no dia seguinte à transmissão ao vivo da qual participou, Luciano Mergulhador não sustentou as afirmações feitas a Eustáquio. Para o delegado Reginaldo Donizetti Gallan Batista, da Superintendência Regional da PF em Santa Catarina, Luciano disse que apenas que ouviu “alguém” citar deputados de esquerda, como Wyllys, mas não especificou que essa pessoa seria Adélio.
Os casos movidos por Wyllys começaram a ser analisados ainda no primeiro semestre do ano passado pela Justiça do Rio, mas uma declaração de suspeição feita por uma juíza que conduzia parte deles fez com que trâmites de 12 processos fossem anulados, em agosto, e eles precisassem ser reiniciados.
Foto: Najara Araujo.