O anúncio do Magazine Luiza, na sexta-feira (18), de que fará um trainee exclusivo para negros foi alvo de ataques no fim de semana, sob argumento de que a iniciativa seria ilegal e racista.
A a empresária Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, diz que eles já esperavam pelas críticas, mas afirma que o programa tem respaldo legal.
“Acreditamos que as pessoas vão entrar juridicamente, mas a gente vai lutar e não vamos desistir tão fácil”, disse.
No sábado (19), a juíza do Trabalho Ana Luiza Fischer Teixeira de Souza Mendonça afirmou no Twitter que o programa era inadmissível. Os deputados federais bolsonarisitas Carlos Jordy (PSL-SP) e Daniel Silveira (PSL-RJ) disseram que a iniciativa não teria respaldo legal.
“Discriminação na contratação em razão da cor da pele: inadmissível”, escreveu Mendonça, que é juíza no TRT-3 (Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais) e integrou a comissão de redação da reforma trabalhista do governo Michel Temer (MDB).
Segundo a Folha de S.Paulo, atualmente, o Magazine Luiza tem em seu quadro de funcionários 53% de pretos e pardos. Mas apenas 16% deles ocupam cargos de liderança.
Segundo a empresa, o programa de trainees lançado nesta sexta-feira é o primeiro exclusivo para negros do Brasil.
O salário é de R$ 6,6 mil, com benefícios e bônus de contratação de um salário.
Candidatos de todo o país podem participar, desde que tenham disponibilidade para se mudar para São Paulo. Caso o selecionado seja de fora da cidade, receberá um auxílio-mudança. Serão aceitos candidatos formados de dezembro de 2017 a dezembro de 2020, em qualquer curso superior. Conhecimento de inglês e experiência profissional anterior não são pré-requisitos para a seleção.
A senhora participou da formulação do trainee voltado apenas para negros?
Lógico. Fizeram parte da decisão o conselho, diretores e os funcionários negros. Há uns três ou quatro anos eu reservo três vagas a mais no nosso programa de trainee só para negros. Mas nunca conseguimos [preenchê-las]. Eles não se inscreviam. O processo seletivo não ia de acordo e a gente entendeu que as exigências excluíam negros.
Em quanto tempo vocês colocaram o programa de pé?
Faz uns dois meses que está sendo estudado. Há anos temos vontade de recrutar mais trainees negros. O que a gente sente é que a sociedade custa a entender o que é o machismo estrutural e o racismo estrutural.
Ficaram surpresos com as críticas que receberam?
A gente já esperava, mas tem coisas muito agressivas. Nós sempre fizemos programa misto para trainee, mas nunca funcionou. Essa foi forma que a gente encontrou. É uma solução para empresa, não uma solução geral. A gente respeita pontos de vista diferentes.
A gente não fez pra mudar o Brasil, mas para mudar a nossa empresa. A gente queria mudar uma realidade nossa. Dos mais de 2.000 trainees que selecionamos até hoje, só 10 foram negros. Tentamos mudar normal e não conseguimos. Acreditamos que as pessoas vão entrar juridicamente, mas a gente vai lutar e não vamos desistir tão fácil.
Na sua opinião, por que esse tipo de iniciativa ainda incomoda tanto?
As pessoas ainda não têm profundo conhecimento do tamanho do racismo estrutural que vivemos. Mas é claro que o ponto de vista diferente faz parte do processo, e entendemos isso. Nós estamos muito felizes de quebrar esse paradigma e nesses dois dias já recebemos muitas inscrições. Ficamos muito felizes.
Se basearam em algum modelo feito por alguma empresa de fora do Brasil?
Não. Não quer dizer que não exista outro programa similar, mas nós não conhecemos nenhuma outra empresa do mundo que tenha feito um programa de trainee só para negros [no sábado 19 a Bayer também anunciou um programa apenas para negros].
O Magazine Luiza sempre quebrou barreiras. Quando fizemos uma campanha contra violência doméstica dizendo que era para meter a colher e coloquei uma linha para denúncias dentro da empresa, todos falaram: “Eles são feministas”. Agora, todo o mundo fala sobre isso. Quando lançamos que seríamos a melhor empresa para se trabalhar, também ouvimos que éramos uma pequena empresa vinda do interior. A vida inteira foi assim. Quebrar paradigma é polêmico, mas eu sempre fico feliz é que depois essas discussões passam a fazer parte da vida dos brasileiros.
Foto: Eduardo Anizelli.