O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, afirmou nesta quarta-feira (23) que “não pode tudo” e que não deve revogar a decisão do ministro Kassio Nunes Marques de restringir o alcance da Lei da Ficha Limpa. Para Fux, o colega atuou “dentro da sua independência”.
Em decisão liminar (provisória) concedida no último sábado (19), Kassio determinou que a contagem do prazo de oito anos de inelegibilidade tenha início a partir da condenação por um tribunal colegiado. Originalmente, a lei previa que o condenado só poderia concorrer a uma eleição oito anos após cumprir sua pena.
Nesta quarta, o presidente da corte fez referência ao pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) para que o despacho seja derrubado e disse que não pode tomar nenhuma decisão porque o recurso foi apresentado dentro da ação que tem Kassio como relator.
“Eu não poderia cassar a decisão dele porque o recurso que apresentaram é dirigido ao relator”, disse. Segundo o ministro, o presidente da corte “pode muito, mas não pode tudo”.
Como a PGR havia entrado com pedido de liminar, integrantes do Supremo avaliaram inicialmente em reservado que Fux poderia, sim, atuar no processo, uma vez que cabe ao presidente despachar urgências que chegam à corte durante o recesso.
Fux, porém, ressaltou que só pode tomar decisão em casos como esse quando chega ao Supremo uma suspensão de segurança, recurso que, obrigatoriamente, vai direto para a mesa do presidente do tribunal.
O partido Cidadania protocolou esse recurso ao STF, mas o presidente evitou comentar a ação em entrevista concedida à TV Justiça nesta quarta. Na ocasião, ele fez um balanço de 100 dias como presidente do Supremo.
Geralmente, a Justiça considera que partidos políticos não têm legitimidade processual para apresentar esse tipo de recurso. Em 2018, porém, Fux anulou decisão que liberava o ex-presidente Lula (PT) a conceder entrevista de dentro da prisão em pedido apresentado pelo partido Novo.
A postura de Fux foi vista por colegas como uma tentativa de pacificar a corte e evitar mais desgastes internos.
“Há casos em que as pessoas têm instrumento próprio, que se chama suspensão de segurança, aí a competência é só do presidente. Quando recebo suspensão de segurança eu analiso com a minha independência, coragem e critério de razoabilidade e decido”, disse.
A coluna Painel já havia antecipado que Fux conversou com colegas de tribunal sobre o tema e que havia descartado cassar a decisão do colega. Apesar disso, ele afirmou em conversas reservadas que deve buscar formas para que a liminar de Kassio seja revista.
Na entrevista, Fux classificou Kassio, indicado à corte pelo presidente Jair Bolsonaro, como um “homem de bem e de agradabilíssimo contato”. O ministro também procurou explicar a decisão do colega.
“O novo ministro Nunes Marques, dentro da sua independência, deu uma decisão entendendo que era excessivo aquele prazo de inelegibilidade. E isso, digamos assim, é questão que a própria lei poderia resolver, a Lei da Ficha Limpa, só que a Lei da Ficha Limpa tem a virtude de ser lei de inciaitiva popular”, afirmou.
No recurso apresentado ao Supremo, porém, a PGR afirmou que o ministro não poderia ter adotado a medida e disse que o STF rejeitou a tese sustentada por Kassio quando declarou, em 2012, a validade da legislação que restringe direitos políticos de condenados em segunda instância.
Segundo a Folha de S.Paulo, a Procuradoria afirmou que há “cinco relevantes obstáculos jurídicos” para aplicação da decisão de Kassio.
O recurso é assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, que sustenta que a decisão do ministro resultaria na anulação da súmula do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre a contagem do prazo de inelegibilidade a partir do fim do cumprimento da pena.
Além disso, a PGR acredita que a decisão representa quebra de isonomia no mesmo processo eleitoral, uma vez que o despacho vale, segundo Kassio, apenas para “processos de registro de candidatura ainda pendentes de apreciação, inclusive no âmbito do TSE e do STF”.
Fux tornou-se alvo de críticas internas neste mês devido ao julgamento que vetou a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) nas presidências da Câmara e do Senado, respectivamente.
Integrantes do Supremo afirmam que Fux havia se comprometido em votar a favor da recondução de ambos, mas, no final, ele acabou se opondo à medida, o que irritou colegas que buscavam viabilizar a manutenção dos dois à frente das Casas.
Nesta quarta, porém, o presidente do STF afirmou que não gosta de briga. “Você sabe, eu sou mais da harmonia, quero todo mundo cantando no mesmo tom”, disse.
O ministro comentou o julgamento. “Recentemente, nós tivemos o caso da reeleição. Isso era para ser resolvido por uma emenda constitucional”, disse.
Segundo ele, quando isso acontece, o Supremo tem que pagar o “preço social” que o Lesgilativo não paga por se omitir. “Esse protagonismo foi muito ruim para o Poder Judiciário. Qualquer problema que surge, eles não resolvem na arena política própria.”
Fux também voltou a criticar o excesso de normas legais e disse que a “orgia legislativa deslegitima a ideia de lei”.
“A cada dia cinco leis diferentes, haja conhecimento enciclopédico. Temos mais ou menos 14 mil leis, transformando incisos, artigos, temos milhões de leis”, disse.
Ele afirmou ainda que cada Poder tem a sua competência e que problemas políticos não deveriam “desaguar” no Judiciário. “Às vezes, temas que são da competência dos demais Poderes, vêm recair no Judiciário, quando há discordância entre os players”, analisou.
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