Uma pesquisa realizada por um grupo de mais de 70 pesquisadores brasileiros mostra como o novo coronavírus age no cérebro humano, provocando a morte de neurônios não apenas nos pacientes graves ou moderados, mas também nos pacientes leves que ainda não precisaram de tratamento hospitalar na fase aguda da Covid-19.
O estudo foi coordenado pelos pesquisadores Daniel Martins-de-Souza, Marcelo Mori e Clarissa Lin Yasuda, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Thiago Cunha, da Universidade de São Paulo (USP), que contaram com financiamento da Fapesp. Também participaram representantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) e do Instituto D’Or.
Segundo o G1, o artigo com os resultados foi publicado em versão pré-print na plataforma medRxiv e segue em avaliação por uma revista científica internacional.
Os resultados revelam que:
o vírus promove alterações significativas na estrutura do córtex, a região do cérebro mais rica em neurônios e responsável por funções complexas como memória, atenção, consciência e linguagem.
o vírus infecta e se replica nos astrócitos, que são as células mais abundantes do sistema nervoso central e têm formato de estrela.
foram observadas atrofias em áreas relacionadas, por exemplo, à ansiedade, um dos sintomas mais frequentes no grupo estudado.
“Nós encontramos muitos pacientes que, mesmo já tendo se curado da Covid-19 há cerca de 2 meses, continuavam apresentando sintomas neurológicos, como fortes dores de cabeça, sonolência excessiva, alteração da memória, além de perda de olfato e paladar. Em alguns casos raros, até convulsões, e esses pacientes nunca tinham sentido isso antes” – Clarissa Lin Yasuda, pesquisadora da Unicamp
Mecanismos de ação do vírus
Segundo os pesquisadores, foram feitas duas grandes descobertas em relação ao mecanismo de ação do vírus. Quando o SARS-CoV-2 entra no cérebro ele ataca uma espécie de célula de apoio responsável pelos processos metabólicos, dificultando a produção de energia e a nutrição dos neurônios e, consequentemente, podendo levar à morte do tecido cerebral.
Alguns estudos já haviam demonstrado a presença do novo coronavírus no cérebro, mas desta vez os experimentos comprovaram que a infecção e replicação nos astrócitos.
A presença do vírus foi confirmada nas 26 amostras estudadas, coletadas por meio de autópsia minimamente invasiva realizada em pacientes que morreram por causa da Covid-19.
Além disso, o estudo traz mais indícios de que a via de acesso para o cérebro é o nariz. Em outro braço da pesquisa, a análise de imagens de ressonância magnética em pacientes leves que não tinham precisado ainda de hospitalização demonstraram uma redução importante do córtex cerebral em algumas regiões próximas às vias aéreas, chamada de região orbitofrontal, comprovando que se tratam de alterações da estrutura cerebral.
Algumas áreas apresentavam espessura menor do que a média observada em cérebros não acometidos pela Covid-19, enquanto outras apresentavam aumento de tamanho o que, segundo os autores, poderia indicar algum grau de edema. Foi ainda nesta região que foram observadas as atrofias.
Suspeita de ligação com outras doenças genéticas
A pesquisadora da Unicamp Clarissa Lin Yasuda afirma ainda que há suspeita de que o vírus possa ativar doenças genéticas como esquizofrenia, Parkinson e Alzheimer. “O que nós ainda não sabemos é a gravidade destas lesões, se são passageiras ou se podem ser irreversíveis, por isso vamos acompanhar esses pacientes pelos próximos 3 anos para saber se o vírus desencadeia doenças degenerativas em quem tem algum potencial genético”, explica a pesquisadora.
Até agora os cientistas não tinham certeza se o vírus estava mesmo dentro das células do cérebro ou se os sintomas eram causados por outros problemas trazidos pela doença, mas os estudos mostraram o vírus agindo em células do cérebro. Embora a maior parte dos pacientes com Covid-19 apresente sintomas pulmonares, como pneumonia e falta de ar, cerca de 30% dos infectados acabam manifestando sintomas neurológicos ou psiquiátricos.
“Nos pacientes graves, a morte de neurônios já era esperada porque eles têm baixa oxigenação do sangue e isso prejudica muito o cérebro, mas uma pessoa leve ou moderada ter uma modificação significativa como esta é muito mais preocupante”, enfatiza Daniel Martins-de-Souza, pesquisador da Unicamp e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), um dos líderes do estudo.
Mudança no tratamento
A descoberta é importante porque pode mudar o tipo de tratamento que os pacientes estão recebendo. Uma das perguntas que precisam ser respondidas é como o vírus chega ao sistema nervoso central e qual é o mecanismo de ação para entrar nos astrócitos.
“Até agora, a gente considerava que alguns sintomas eram secundários da doença, mas a gente está vendo que, em algumas pessoas, os sintomas neurológicos e psiquiátricos podem ser primários, ou seja, não adianta tratar o pulmão desse paciente porque o coronavírus está no cérebro. Entendendo que o vírus muda a forma de fazer energia nas células, nós conseguimos começar a pensar em como usar os medicamentos corretos”, explica Martins-de-Souza.
Para Lin Yasuda, a principal contribuição é ajudar a encontrar alvos para o tratamento. “Se eu souber que o Sars-CoV-2 mexe com os astrócitos, eu posso inventar uma droga que não deixe ele entrar nesta célula, ou que fortaleça essa célula, ou eu posso, talvez, criar uma medicação que possa ser utilizada por via nasal para ajudar a evitar que o novo coronavírus entre no organismo. Isso aumenta as nossas chances de combate à doença. Quando eu não sei com quem eu vou brigar, como eu vou me defender?”, destaca a neurologista.
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