A abertura de novas vagas de UTIs em Pernambuco para atender casos graves de covid-19 não está sendo suficiente para suprir a demanda de pessoas que precisam de terapias intensivas. Pelo menos é o que denuncia amigos e familiares da técnica em enfermagem Williane Maily Lins dos Santos, de 30 anos, que morreu na noite da sexta-feira (17/4), no Hospital João Murilo, em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata pernambucana, suspeita de ser mais uma vítima do coronavírus. Williane, que deixou uma filha de seis anos, lutava pela transferência para uma unidade de terapia intensiva desde a manhã da quinta-feira (16), quando o quadro do que parecia ser uma grave laringite se agravou, após duas semanas de sintomas. Foram mais de 24 horas tentando uma transferência. Quando surgiu uma UTI – disponibilizada num hospital privado do Recife – era tarde demais. Às 23h45 a técnica em enfermagem teve uma parada cardíaca e faleceu.
Ela era uma mulher jovem, sem qualquer problema de saúde, nunca foi tabagista, era saudável, trabalhadora. Não sou Deus para dizer que ela iria sobreviver, mas possuía grandes chances. Trinta anos sem patologias. Uma UTI a salvaria
Suzana Melo, médica chefe e amiga da vítima
A médica nefrologista Suzana Melo, chefe e amiga de Williane Maily Lins dos Santos, é quem está à frente das denúncias em nome da família da técnica. A mãe, a fisioterapeuta Maria Soares Lins Pereira, está inconsolável e revoltada. Não conseguiu conversar com a reportagem. Segundo denuncia a médica, a Central de Regulação de Leitos de Pernambuco complicou todo o procedimento de transferência da paciente do Hospital João Murilo para o Recife. A informação oficial era de que não havia vagas de UTIs disponíves na capital e que pelo menos 60 pacientes aguardavam uma transferência na frente de Williane. “E eu, como médica, tinha a informação de que havia UTIs disponíveis tanto no antigo Hospital Alfa, recém transformado em unidade referência do tratamento da covid-19, como em unidades privadas. Falei com diversos médicos coordenadores dessas UTIs e eles me garantiram que havia vagas sim, mas que só poderiam receber a paciente se fosse pela central. Quando vieram identificar uma vaga, no Hospital São Marcos, ela já estava morta. É tudo muito, muito triste e revoltante”, lamenta Suzana Melo.
A angústia da médica se justifica no fato de que foi a ela que Williane Maily implorou por socorro. Não queria morrer. Como profissional de saúde, começou a perceber que a laringite era algo maior quando a falta de ar e o cansaço se agravaram. Já tinha buscado atendimento em postos de saúde, mas recebia a prescrição de antibióticos (versões de amoxicilina) e era encaminhada para casa. Estava assim há duas semanas. Na quinta-feira, já com muita dificuldade para respirar, procurou novamente o posto de saúde. Foi quando a encaminharam para o Hospital João Murilo, onde ficou internada, mas sem conseguir ser entubada para facilitar a respiração. “A família já estava assustada, ela também. Percebiam, por serem da área, que era a covid-19 e que ela deveria ser entubada mediatamente. Ela me mandou um vídeo às 8h30 da sexta-feira, num estado muito grave, quase sem conseguir respirar. Ela era uma mulher jovem, sem qualquer problema de saúde, nunca foi tabagista, era saudável, trabalhadora. Não sou Deus para dizer que ela iria sobreviver, mas possuía grandes chances. Trinta anos sem patologias. Uma UTI a salvaria”, afirma a médica.
Ela amava demais o que fazia. Já trabalhou em vários hospitais. Era uma profissional prudente. Não desconfiava em momento algum que era covid-19. Achava que era gripe, infecção de garganta. Fez tratamento, mas não melhorava. Demoraram demais para entubá-la no hospital e ainda mais tempo para arrumar uma UTI
Abimael Francisco Pereira, padrasto da vítima
A demora da equipe do Hospital João Murilo em decidir pela entubação da paciente também foi duramente criticada pelos familiares e pela médica. Quem acompanhou o processo conta que, já na noite de sexta-feira, poucas horas antes de a vítima falecer, o médico não conseguiu a entubação rápida. “A família alertou que ela precisava ser entubada imediatamente desde a quinta-feira, mas não foi atendida. Só a entubaram na noite da sexta-feira, quando ficou tarde demais”, lamentou a médica Suzana Melo.
Williane Maily era técnica de enfermagem na Clínica do Rim de Vitória de Santo Antão, onde nove profissionais de saúde estão afastados com suspeita de contaminação pelo coronavírus. Apesar das idas a um posto de saúde na cidade, a técnica em enfermagem só foi tratada como possível vítima da covid-19 quando chegou ao hospital. Mas nenhum teste foi feito. Somente depois do óbito realizaram a testagem, cujo resultado ainda não saiu. A reportagem do JC não conseguiu contato com o Hospital João Murilo. Já a Secretaria Estadual de Saúde (SES) explicou que a paciente deu entrada na unidade de VSA com um quadro moderado de Srag (Síndrome Respiratória Aguda Grave), mas que se agravou. Garante que, diante desse agravamento, foi solicitada uma vaga de UTI à Central de Regulação de Leitos, disponibilizado ainda na noite do mesmo dia em um hospital privado. “Infelizmente a paciente teve uma piora súbita antes que fosse possível realizar a transferência”, diz a nota oficial.
Crédito imagem: Arquivo pessoal
News Paraíba com Jornal do Commercio