Dados obtidos pela Folha apontam que, das oito principais vacinas indicadas a bebês, apenas uma atingiu em 2018 a meta recomendada –caso da BCG, que previne tuberculose e costuma ser aplicada em maternidades, e mesmo assim apresentou queda em relação ao ano anterior.
As demais tiveram coberturas entre 80% e 91,5% –abaixo, portanto, da meta de 95%. A meta da BCG é de 90%.
Para comparação, antes da queda na vacinação nos últimos três anos, os índices ficavam sempre acima da meta.
A boa notícia é que, em 2018, algumas vacinas tiveram estabilidade ou já apresentam sinais de melhora. Ainda assim, estão abaixo do ideal.
O balanço foi feito pelo Programa Nacional de Imunizações, principal estratégia de prevenção na saúde do país.
Os dados preliminares mostram que, em 2018, três vacinas –que protegem contra hepatite A, meningite e a própria BCG– registraram leve queda, sendo que a menor cobertura foi da hepatite A, com apenas 80,9% das crianças de um ano imunizadas.
Outras duas vacinas apresentam índices semelhantes a 2017 e três tiveram leve recuperação, embora também estejam ainda abaixo da meta –caso, por exemplo, das vacinas contra pólio e rotavírus e da que protege contra difteria, tétano e coqueluche.
A coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, Carla Domingues, diz que o cenário ainda gera preocupação. “Apesar de termos melhorado, ainda estamos longe do ideal e do nosso histórico.”
Mas ela diz ver nos dados um lado positivo. “Um dado relevante é que não tivemos uma nova queda. A estabilidade e leve aumento em algumas vacinas mostra que estamos conseguindo reverter a tendência de diminuição, o que é um avanço.”
Segundo Domingues, a recente mobilização em torno do tema, com retorno de campanhas em parceria com entidades e aumento de notícias sobre vacinação podem ter colaborado para interromper a redução geral.
“Isso mostra que as ações estão surtindo efeito”, diz. “Mas ainda há um trabalho longo a fazer. Enquanto estiverem abaixo da meta, as coberturas estão baixas.”
Mas o que leva a essa dificuldade em atingir as metas? A pergunta, repetida nos últimos três anos, ainda não tem respostas.
Questionado, o Ministério da Saúde diz ter contratado inquéritos vacinais em cinco capitais, mas que os trabalhos ainda estão sendo realizados. Algumas hipóteses, porém, permanecem em análise.
Entre elas, estão uma falsa sensação de segurança da população em relação a algumas doenças e o aumento na participação das mulheres no mercado de trabalho –cuja presença tem aumentado em ritmo maior em comparação aos homens nos últimos anos.
“O trabalho da mulher é cada vez mais intenso fora de casa. E os postos abrem no horário comercial. No momento de crise que vivemos hoje, talvez ela não queira justificar que vai faltar porque está levando o filho para ser vacinado. É um dos pontos que vamos discutir”, diz José Cássio de Moraes, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, que acompanha os estudos.
Outros fatores são o avanço de informações falsas ou que superestimam o risco de eventos adversos, além de atrasos e problemas no registro de dados.
De acordo com Domingues, do PNI, esse último fator aparece porque, após o alerta sobre a queda nas coberturas no último ano, municípios e ministério passaram a verificar o sistema e revisar os dados –o que acabou por elevar, em parte, os números de 2017.
O problema é que, apesar desse esforço, os números daquele ano continuaram abaixo do esperado. Também mantiveram a queda que já vinha sendo registrada.
“A questão do registro é um dos fatores que podem ter impactado, mas não o principal. Trabalhamos em uma frente multifatorial”, afirma a coordenadora.
“É fato que o sistema de informação tem problemas? É. É fato que a população achava que não precisava mais tomar vacina? Também”, complementa ela.
Para Helena Sato, diretora de Imunizações da Secretaria de Saúde de São Paulo, embora falhas no sistema de registro tenham ocorrido em algumas cidades, “não dá para achar que isso explique tudo”. “A cada ano, observamos que as coberturas caem mais um pouco.”
Ela cita pesquisas que sugerem que o problema não seja falta de conhecimento da importância das vacinas, mas sim da falta de urgência em procurá-las.
Isabella Ballalai, da Sociedade Brasileira de Imunizações, concorda. Pediatra, ela diz se deparar com frequência com casos de vacinas atrasadas. “E aí vem a pergunta: por que não vacinou? A resposta que mais vemos não é não quis, mas esqueci ou deixei pra depois”, relata.
Ela explica que os pais podem levar seus filhos com vacinas atrasadas que não estarão sujeitos a nenhuma sanção. “Pelo contrário. Vão [os médicos] até soltar fogos”, diz.
Mas, caso haja constante recusa, o Conselho Tutelar pode ser acionado.
E o que explica a diferença nas coberturas de algumas vacinas?
Entre as possibilidades, está o fato de que vacinas recomendadas mais tarde têm coberturas menores que as de poucos meses. Pesa também o receio menor de algumas doenças em relação a outras.
É o caso da vacina contra hepatite A, doença considerada “silenciosa” e cuja vacina, aplicada aos 15 meses, registrou a menor cobertura de 2018.
Outra hipótese está no desabastecimento. “A de meningite foi a que teve mais intermitência no ano passado. Isso pode ter impedido de ter melhorado”, diz Domingues.
De fatores individuais a falhas de fornecimento, a dificuldade em atingir a meta e a presença de áreas no país com maior número de não vacinados já deixam sinais visíveis.
Sem conseguir interromper a transmissão de sarampo reiniciada no último ano, o Brasil perdeu em março o reconhecimento de país livre da doença. Em um ano, registrou 10.326 casos. Neste, já são 92, com quatro estados em surto ativo: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pará.
“Se não vacinar, vamos ter pólio de novo. A gente não quer voltar à época de pulmão de aço e criança paralítica. Temos que manter o que a gente já conseguiu e avançar ainda mais”, afirma Moraes.
Questionado, o ministério diz apostar em campanhas de divulgação e trabalhar em novo programa para que mais postos de saúde abram durante a noite, aumentando a chance de vacinação.