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Nem Igreja Católica nem governo é dono da verdade, alerta novo presidente da CNBB

 

Novo presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Walmor Oliveira de Azevedo, 65, se define como “genuinamente baiano e autenticamente mineiro”. Na opinião dele, a alma sertaneja que traz de sua terra natal, Cocos (BA), se somou à serenidade que aprendeu em Minas, estado onde vive há 47 anos.

A combinação de capacidade de diálogo com firmeza de atitudes foi uma característica apontada por observadores da eleição na entidade mais importante da Igreja Católica no país, no início deste mês.
Em entrevista à Folha de S.Paulo na quinta-feira (23) na sede da Arquidiocese de Belo Horizonte, instituição que dirige desde 2004, dom Walmor reiterou a aversão a rótulos como esquerdista e progressista atribuídos à gestão que ele comanda.
A nova cúpula, escolhida após um processo marcado por tensões entre as alas moderada e conservadora, é vista como de continuidade da anterior, o que frustrou grupos que esperavam uma guinada.
Como é praxe no início de mandato, a CNBB tentará se reunir com o presidente da República e com chefes dos demais Poderes.
Dom Walmor diz que pregará humildade num possível encontro com Jair Bolsonaro (PSL), ainda sem data.
“Todos nós estamos desafiados a nos tornar competentes para o diálogo e o entendimento”, afirma o religioso. “Assim é na igreja, nos governos, nas instituições educativas, na vida familiar. Estamos num tempo que exige de nós muita humildade, para ninguém se colocar como dono da verdade.”
Pergunta – Após ser eleito, o sr. foi chamado em redes sociais de petista, comunista, apoiador da chamada ideologia de gênero, defensor do lobby gay. Por que acredita que essas expressões são associadas ao sr.?
Azevedo – O que eu diria é que são interpretações completamente equivocadas e talvez de pessoas que não veem a verdade. Sinto-me muito tranquilo e consciente de que estou na perspectiva daquilo que é a doutrina social da igreja, a luz da palavra santa de Deus.
Uma das razões para as críticas foi a criação de uma Pastoral da Diversidade Sexual em uma paróquia de Belo Horizonte, para acolher gays e lésbicas, em 2017. O sr. deu aval a isso?
Azevedo – Foi uma iniciativa sem o meu conhecimento por parte de dois padres, que foram oportunamente notificados, advertidos, inclusive de maneira muito forte, para dizer que não é esse o caminho. Por isso eu disse claramente que não existe Pastoral da Diversidade Sexual na Arquidiocese de Belo Horizonte.
Mas existiu durante um período.
Azevedo – Existiu, sem o meu conhecimento. Quando soube, chamei os padres e disse: “Vocês fizeram um caminho equivocado”.
Por que equivocado?
Azevedo – Porque o nosso caminho, no que estamos investindo, são os centros de acolhida e escuta das famílias. Quando nós pensamos as pessoas, pensamos nelas na sua condição. Precisam ser ajudadas, ouvidas, na sua dor e na vivência da espiritualidade, sem discriminação.
A igreja é o lugar de todos os filhos e filhas de Deus. Mas isso não se trata de algo que possa ser confundido com outros tipos de bandeira, que estariam na contramão daquilo que é a verdade do Evangelho e da nossa orientação.
Foto: Ascom

Foto: Ascom
Como a igreja deve se portar diante de pessoas homossexuais?
Azevedo – A igreja tem um horizonte da sua moralidade e dos princípios que regem a busca de uma vida santa e de uma vida adequada. Mas nós todos estamos a caminho [dessa vida]. As pessoas precisam ser ajudadas. Umas estão mais avançadas nesse processo de santificação, de viver uma vida cristã mais autêntica.
A igreja tem um horizonte intocável, e que portanto não se muda, não se adapta e não pode ser relativizado. Não trabalhamos com nenhum tipo de preconceito, mas não podemos botar a mão em outras bandeiras. Exemplifico: o matrimônio é entre um homem e uma mulher. Não admitimos se chamar matrimônio [a união entre pessoas do mesmo sexo].
A fala do sr. na época do impeachment de Dilma Rousseff defendendo que a responsabilidade da crise deveria ser distribuída entre os cidadãos e os políticos, em vez de “colocar um peso sobre as costas de uma pessoa”, foi interpretada como uma opinião favorável à petista. Foi isso?
Azevedo – Não. Nunca me coloquei na perspectiva de fazer uma análise para defender qualquer partido ou figura no contexto do governo federal. Disse que era o desabrochamento de todo um contexto mais amplo e historicamente mais longo.
O sr. foi criticado também porque a Catedral Cristo Rei, que a arquidiocese está construindo em Belo Horizonte, teve o projeto feito por Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista e ateu. Católicos conservadores classificam a edificação como “horrenda e feiosa”.
Azevedo – Niemeyer foi escolhido porque começou sua trajetória profissional em Belo Horizonte, na Pampulha. Se para aqueles que não têm visão o projeto pode parecer isto ou aquilo, para a grande maioria das pessoas remete ao transcendente, pelo seu formato e por sua arquitetura.
Niemeyer me me pediu para nunca desistir da obra. Falou: “Nunca fui praticante da religião, mas, sem a experiência de fé, o nosso mundo, que já está difícil, seria muito pior”.
A CNBB diz querer dialogar com o presidente e pedirá um encontro com Jair Bolsonaro, que vem sendo criticado justamente pela inabilidade para negociar. Que mensagem o sr. levará para ele?
Azevedo – Com muita simplicidade, de coração aberto, estaremos com o presidente e com outras autoridades. A CNBB busca o diálogo com governos a partir daquilo que ela tem de melhor, que é o evangelho de Jesus.
Num contexto mais amplo, todos nós estamos desafiados a nos tornar competentes para o diálogo e o entendimento. Ninguém de nós tem qual é realmente o caminho. Assim é na igreja, nos governos, nas instituições educativas, na vida familiar. Estamos num tempo que exige de nós muita humildade, para ninguém se colocar como dono da verdade.
O sr. espera abertura do governo federal mesmo depois dos comunicados emitidos pela CNBB com críticas duras a projetos de Bolsonaro?
Azevedo – Nossa igreja sempre procurará fazer essa aproximação, de qualquer maneira. Tudo que nós, como igreja, colocamos, não é por razão partidária, política. Na igreja não tem partido, a igreja não é um partido e também não pode, não deve e nunca será movida por ideologias.
Quando nós dizemos, não dizemos para atacar um partido, uma pessoa. Não é nossa tarefa. Nós fazemos uma leitura daquilo que confronta o Evangelho para alertar: há um outro caminho.
​O que é a tolerância zero a abusos sexuais que o sr. prega à frente da CNBB?
Azevedo – Nós estamos com uma tarefa de urgência urgentíssima na CNBB, que é o trabalho da Comissão para a Proteção dos Menores, que fará um guia para a tutela de menores. Esperamos que isso possa ser concluído o mais rápido possível.
Esse guia será um passo importante, sobretudo depois da recente orientação do papa [que obriga bispos e padres a denunciar casos], mostrando passos, responsabilidades e ações que precisam ser feitas.
Recentemente o papa aceitou a renúncia do bispo de Limeira (SP), suspeito de acobertar abusos. Há denúncias, hoje, envolvendo pelo menos outros dois bispos brasileiros, que inclusive participaram da assembleia da CNBB. Casos que já são públicos também seriam contemplados por esse manual?
Azevedo – Quando se fala de tolerância zero na igreja quanto a abusos de menores ou acobertamento, é para todos. Igualmente para todos. Por isso mesmo essas ações que o papa tem feito em vários lugares do mundo em relação a quem tem responsabilidades nesse âmbito.
O papa já pediu desculpas às vítimas de abusos na igreja. O sr. se sente constrangido por esses fatos acontecerem na instituição?
Azevedo – Eu me sinto entristecido, porque, embora seja uma porcentagem muito pequena em relação ao que acontece nos âmbitos outros, como familiar, quem se consagra da igreja se propõe a servir, ajudar, apoiar -e não a derrubar, maltratar, machucar.
O sr. tem frisado a necessidade de busca do diálogo, em um momento em que a sociedade está polarizada, ainda sob efeito das eleições. Como a igreja pode fazer isso?
Azevedo – É, de fato, um enorme desafio. As eleições devem nos fazer verificar que o clima de divisão não vale a pena, só trará prejuízos, quando temos urgência de grandes respostas. E a igreja -mesmo quando ela não é compreendida, é atacada nos seus membros, nas suas escolhas- tem uma autoridade moral, herdada da riqueza do Evangelho.
Nunca se constrói nada sem diálogo. A escuta é fundamental para que a gente possa se recuperar, ao invés de se ferir e de machucar a civilidade. Porque nós estamos vendo muitas coisas abomináveis, que estão passando por cima de civilidade mínima.
Por exemplo?
Azevedo – As pessoas afirmam coisas sobre os outros ou sobre instituições que são inverdades e dizem como se fossem verdades. Não se lembram até que há um caminho de criminalização nessa perspectiva de desmoralização.
A igreja é vítima disso?
Azevedo – A igreja tem sofrido esses ataques. Mas ela não se abate exatamente porque tem uma força moral que vem de um fundamento, que é Cristo.
O percentual de católicos no Brasil está em queda. Caiu de 63% da população em 2010 para 50% em 2019, segundo o Datafolha. Por que católicos têm deixado de ser católicos?
Azevedo – Há diferença por regiões. Por exemplo, Minas Gerais tem mais de 70%, segundo pesquisas.
A igreja tem o grande desafio de crescer na proximidade com as pessoas, na oferta da experiência bonita da espiritualidade. Com a força da palavra de Deus, a igreja tem condições de reverter essa situação.
Então a igreja tem falhado nesses pontos?
Azevedo – Considero que o desafio vem da avalanche de mudanças antropológicas e culturais. Por isso nós trabalhamos em novas metodologias, diretrizes, formação e qualificação de pessoas. O papa Francisco nos pede uma igreja mais próxima, solidária e dialogal com o contexto do mundo.
O sr. e a CNBB têm alertado para a grave desigualdade de renda no país. Qual a parcela de culpa da elite brasileira, que concentra tanto recursos quanto poder?
Azevedo – Temos uma história longa [de desigualdade], e por isso a dificuldade de reverter esse quadro. Todos nós devíamos ter vergonha dessa desigualdade social e pensar que é algo na contramão da civilidade; um ter tudo e o outro, nada.
Por isso, é uma vergonha para a elite, para quem dirige, para quem tem poder de decisão, para quem pode fazer as escolhas de rumos novos. E é uma vergonha para nós, como cristãos.
No início da assembleia da CNBB, o nome do sr. já era considerado forte para ocupar a presidência. A que fatores o sr. credita sua escolha?
Azevedo – Muitos colegas, antes da eleição, me disseram que seria bom que eu me tornasse o presidente. E eu fiz uma prece a Deus: que eu não desejasse isso. Exatamente para que não acontecesse de eu encher o coração de vaidade.
Creio que o meu nome tenha sido lembrado em razão do caminho que eu tenho. Venho buscando uma maneira aberta, articulada, procurando ser contemporâneo, buscando respostas na evangelização e na gestão. Meu jeito de ser é procurar sempre o diálogo.
Na opinião do sr., qual é o mandamento mais importante?
Azevedo – O dito por Jesus: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. É o maior mandamento. E esse, vivido, faz o mundo ser melhor.
News Paaraiba com Assessoria

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