Com o fim das Olimpíadas de Paris no domingo (11), o presidente francês, Emmanuel Macron, terá de voltar a olhar nesta segunda-feira (12) para a crise política da França que ficou pausada durante os Jogos e que, segundo disse Macron em entrevista ao repórter da TV Globo Guilherme Pereira, deixou o país fragmentado.
Macron pode ter de governar em parceria com a oposição e perder poder dentro de seu próprio governo. O líder francês foi derrotado nas eleições legislativas realizadas dias antes do início das Olimpíadas, mas o bloco da esquerda, que venceu o pleito, não conseguiu o número de votos exigido para indicar o primeiro-ministro do país, e as negociações sobre quem será novo premiê congelaram durante os Jogos.
“Estamos fragmentados, divididos em muitos aspectos”, disse o presidente francês na entrevista. Ele afirmou também achar que a crise que a França vive se espalha em um período de crise nas democracias no mundo.
“Nossas democracias estão passando por um período único”.
Na entrevista, concedida ao repórter da TV Globo e outros quatro jornalistas em París, Macron também reforçou o apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na condução da crise política na Venezuela. O líder francês disse ter ligado para Lula “nos últimos dias” e afirmou que apoia as iniciativas tomadas pelos países da região.
Sobre o legado dos Jogos, Macron destacou como a competição pode ensinar sobre a capacidade de união, de aceitar as mesmas regras, de se respeitar como adversários, inclusive entre países que estão em guerra.
“Nós construímos a paz no momento em que discutimos com o inimigo”, disse o presidente da França, que já atuou como mediador na guerra da Ucrânia e vem auxiliando as tentativas de destravar um cessar-fogo entre Hamas e Israel nos conflitos na Faixa de Gaza.
“Eu mesmo me reuni com vários líderes nos últimos dias para pedir um cessar-fogo imediato em Gaza e negociar uma paz duradoura respeitando o direito internacional”.
Os atuais conflitos da geopolítica mundial respingaram nas Olimpíadas, como uma selfie entre atletas de tênis de mesa da Coreia do Sul e da Coreia do Norte — que tecnicamente seguem em guerra — e a determinação do Comite Olímpico Internacional de que atletas russos competissem sem a bandeira de seu país.
“Temos a mensagem clara e respeitosa de que há a possibilidade de países que talvez não tenham mais relações, com uma grande intenção diplomática possam participar do mesmo jogo. Esse é o espírito universal e olímpico”, disse.
O presidente francês disse ainda que atletas palestinos e israelenses, lado a lado, passam a mesma mensagem de paz: “acho que o que esses jogos trazem é a capacidade de participar de uma competição em conjunto, ou seja, aceitar as mesmas regras e respeitar uns aos outros como adversários. A paz só pode ser alcançada quando se conversa com seu inimigo. Portanto, é importante respeitá-lo e conhecê-lo”.
Questionado pelo repórter Guilherme Pereira se a mensagem de paz dos Jogos Olímpicos terá efeito duradouro para o mundo e para a França, Macron disse que “não há como garantir, já que estão ocorrendo uma das mais graves guerras dos últimos anos. A tensão está muito forte”.
“Devemos ter muita humildade e devemos tentar nos inspirar no espírito olímpico, que é um universalismo sincero. Significa que essas nações se respeitam. Há mais de 200 nações aqui com suas diferenças, mas elas se respeitam. E isso deve elevar o espírito de todos”, explicou Macron.
Problemas domésticos
Já a França vive uma turbulência política que foi apenas colocada em pausa durante as Olimpíadas. Macron está sob pressão para escolher um novo primeiro-ministro da oposição, depois de perder a maioria das cadeiras na Assembleia Nacional em eleições legislativas realizadas apenas 19 dias antes dos Jogos Olímpicos.
Macron disse acreditar que todas as nossas democracias estão passando por um período único. “Estamos fragmentados, divididos em muitos aspectos. Mas há um caminho, e a mensagem da fraternidade é muito poderosa. Deve ser a ponte de inspiração para a política mundial”, afirmou o presidente.
Estados Unidos e mudanças climáticas
De acordo com o G1, Macron também comentou a eleição para a presidência dos Estados Unidos em novembro. Ele afirmou que os Estados Unidos estão escolhendo seu novo líder, mas que muitas situações importantes, como mudanças climáticas e tecnológicas, equilíbrio social e respeito por outras nações serão desenhadas a partir dessa eleição que está por vir.
Em algumas de suas respostas, Macron citou o assunto mudanças climáticas. Para ele, nenhum país deve fazer a escolha entre desenvolvimento e mudança climática. “Isso é o dilema de muitos países africanos e é por isso que alguns deles, agora, estão questionando a mudança climática, dizendo que os países mais ricos poluíram muito durante as últimas décadas e que não querem que os mais pobres tenham o seu próprio desenvolvimento”, disse o presidente francês.
Macron também foi questionado se considerou um sucesso o uso rio Sena em provas das Olimpíadas de Paris. Apesar do investimento em despoluição para os jogos, testes que mostraram que a água não estava própria para banho em alguns dias provocaram o cancelamento de treinos e o adiamento de provas. O presidente respondeu: “Nesses últimos anos, pessoas achavam que nunca conseguiríamos. Foi um enorme trabalho, um enorme investimento e ainda não acabou”.
Ele reconhece que o objetivo é continuar o trabalho para mudar de vez o cenário do rio Sena. “Os jogos olímpicos são importantes para a França mostrar a si mesma que pode ainda e sempre fazer coisas grandiosas. É isso que faz uma nação. Houve gente que disse que jamais conseguiríamos. Muitas pessoas combatendo a ideia, levantando dúvidas sobre seu próprio povo. E todos os seus países, que eu saiba, enfrentam essas mesmas dificuldades. Fazia sentido para os jogos garantir a balneabilidade do Sena.”
Foto: Ludovic Marin.