Os presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do Chile, Gabriel Boric, criticaram diretamente a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chamou de “narrativa” as acusações de ações antidemocráticas e problemas com direitos humanos na Venezuela, durante a cúpula dos presidentes da América do Sul, nesta terça-feira (30).
“Devo dizer que fiquei surpreso quando se falou que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Já se sabe o que nós pensamos da Venezuela e do governo da Venezuela. Se há tantos grupos no mundo que tentam intermediar para que a democracia seja plena na Venezuela, para que se respeitem os direitos humanos, o pior que podemos fazer é tapar o sol com o dedo. Coloquemos o nome que tem, e vamos ajudá-los”, afirmou Pou.
Em seguida, ele afirmou que nomeou um embaixador na capital da Venezuela, Caracas, porque os uruguaios têm afinidade com os venezuelanos.
Lacalle Pou afirmou também que não cabe aos presentes na reunião escolher o governo venezuelano, mas que eles podem opinar.
No fim, ele justificou sua crítica dizendo que um dos pontos que estão sendo negociados na declaração conjunta na cúpula fala sobre democracia, direitos humanos e proteção às instituições. “Se esse ponto não existisse, eu não teria por que opinar sobre esse tema”, afirmou ele.
Lula e o próprio presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, estavam na mesa.
Gabriel Boric diz que viu o horror dos venezuelanos e que não é narrativa
O líder chileno afirmou em uma entrevista coletiva que a situação na Venezuela não é uma narrativa, mas, sim “real e sério”.
De acordo com o G1, a entrevista foi dada na saída da reunião entre os presidentes sul-americanos.
“Expresso, respeitosamente, que tenho uma discrepância com o que disse o senhor presidente Lula, no sentido de que a situação dos direitos humanos na Venezuela foi uma construção narrativa, não é uma construção narrativa, é uma realidade, é grave e tive a oportunidade de ver, vi o horror dos venezuelanos. Essa questão exige uma posição firme”, afirmou o presidente do Chile.
Boric disse que está contente que a Venezuela volte a instâncias multilaterais porque acredita que nesses espaços é onde os problemas se resolvem. “Isso, porém, não pode significar fazer vista grossa às questões que são importantes para nós desde o início”, disse.
Lula deu apoio público a Maduro
Na segunda-feira, durante conferência de imprensa ao lado de Maduro, a quem recebeu para uma reunião bilateral, Lula afirmou que havia se construído uma “narrativa de antidemocracia a autoritarismo” contra a Venezuela.
Lula afirmou o seguinte: “Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo”, afirmou. “Está nas suas mãos, companheiro, construir a sua narrativa e virar esse jogo para que a gente possa vencer definitivamente e a Venezuela volte a ser um país soberano, onde somente o seu povo, através de votação livre, diga quem é que vai governar aquele país”.
Ao receber o venezuelano no Itamaraty para um almoço, o presidente brasileiro disse aos jornalistas que os esperavam: “Quantas vezes vocês ouviram que Maduro é um homem mau?”, ao que o venezuelano respondeu: “Muitas e muitas vezes.”
A argumentação de Brasília para o movimento teve sempre dois vetores. O primeiro, pragmático. Com 2.199 quilômetros de fronteiras, Brasil e Venezuela dividem florestas, rios, cidadãos e uma série de crimes transfronteiriços que precisam de cooperação de um lado e outro.
O país vizinho ainda deve ao Brasil algumas centenas de milhões de dólares de contratos de cooperação passados, que Caracas agora sinaliza que pode voltar a pagar.
Questões práticas como essas são apontadas pelo governo brasileiro como centrais para a necessidade de haver uma boa relação entre os dois países, mas não só. Os formuladores da atual política externa brasileira também argumentam que sanções, como as dos Estados Unidos — que Lula voltou a criticar como “extremamente exageradas” –, são contraprodutivas e fazem sofrer os mais pobres. Argumentam ainda que o petista tem a chance de influenciar positivamente Maduro. O governo norte-americano não respondeu imediatamente um pedido de comentário feito pela Reuters.
As declarações de Lula desta segunda, no entanto, não foram vistas nesta chave. Houve a esperada reação negativa da oposição de direita ao governo Lula e da oposição a Maduro na Venezuela, e analistas como Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getulio Vargas, avaliaram que o presidente pode ter ido “longe demais”.
“Lula vai longe demais ao elogiar o líder venezuelano e defender sua legitimidade democrática. Desnecessário e divisivo”, afirmou Stuenkel.
“Restabelecer as relações diplomáticas com a Venezuela é um movimento pragmático. Chamar de absurdo quem questiona a legitimidade democrática de Maduro pode agradar a extrema esquerda, mas certamente vai irritar os centristas”, escreveu o professor em seu Twitter.
Volta da Unasul divide os presidentes
O presidente Lula e Alberto Fernández, da Argentina, defenderam uma volta da Unasul, bloco de 12 países da América do Sul criado em 2008 que, para fins práticos, não está mais funcionando.
Fernández afirmou que a Unasul “não é um espaço ideológico, é um espaço de interesses comuns, que nós devemos aprofundar e desenvolver”.
No entanto, a ideia de ressuscitar a entidade não agrada todos os presidentes do continente. Lacalle Pou e Gabriel Bóric, do Chile, são contrários.
Foto: Brenno Carvalho.