Governo excluiu de MP cláusula que facilitaria compra de vacina da Pfizer

O governo contrariou parecer jurídico e excluiu de uma Medida Provisória editada em janeiro sobre a aquisição de vacinas um trecho que facilitava a compra de imunizantes do laboratório americano Pfizer, desenvolvidos em parceria com a alemã BioNTech. Em uma versão anterior da MP que foi publicada, o texto previa que o governo se responsabilizasse por eventuais eventos adversos causados pela vacina.

Essa é uma das cláusulas que têm sido exigidas pela Pfizer na negociação com o Ministério da Saúde e que foram classificadas como “leoninas e abusivas” pela pasta. A redação que acabou de fora da MP previa ainda a contratação de seguro privado para cobrir os riscos.

“Art. 5º Fica a União autorizada a assumir riscos referentes à responsabilidade civil, nos termos do instrumento de aquisição ou fornecimento de vacinas contra a Covid-19 celebrado pelo Poder Executivo Federal, sobre eventuais efeitos adversos decorrentes das vacinas contra a Covid-19, desde que a Anvisa tenha concedido o registro ou autorizado o uso emergencial e temporário”, dizia a minuta a qual o GLOBO teve acesso.

Segundo parecer da Consultoria Jurídica da Controladoria Geral da União, enviado em 23 de dezembro para embasar a MP, a cláusula relacionada à responsabilização da União pelos riscos da vacina era de “induvidosa constitucionalidade”.

“Este dispositivo, além de estar adequado à realidade dos fatos, vez que não há ainda vacinas cuja maturidade de pesquisas seja suficiente para seguimento do processo regular de aprovação, é de induvidosa constitucionalidade”, argumenta o parecer.

Apesar disso, o governo excluiu o dispositivo da medida publicada em 6 de janeiro, colocando mais um obstáculo em relação à aquisição da vacina da Pfizer. Atualmente, o Brasil encontra dificuldades em adquirir vacinas. Segundo estimativas do Plano Nacional de Imunização (PNI), o país precisa de cerca de 31,1 milhões de doses para dar conta da primeira fase de vacinação.

Até o momento, no entanto, o Ministério da Saúde conseguiu distribuir apenas cerca de 12 milhões de doses, uma vez que conta somente com dois fornecedores: a AstraZeneca, responsável pela vacina de Oxford em parceria com a Fiocruz; e o Instituto Butantan, que produz a CoronaVac em parceria com o laboratório Sinovac Biotech.

O governo chegou a firmar um memorando de entendimento com a Pfizer para a aquisição de 70 milhões de doses. Esse é o passo anterior à assinatura do contrato. Em uma nota publicada em janeiro, no entanto, o Ministério da Saúde criticou publicamenta a farmacêutica.

“Causaria frustração em todos os brasileiros, pois teríamos, com poucas doses, que escolher, num país continental com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a vacina”, disse o texto, acrescentando:

“As cláusulas leoninas e abusivas que foram estabelecidas pelo laboratório criam uma barreira de negociação e compra.”

O próprio ministro Eduardo Pazuello já havia criticado publicamente a Pfizer durante uma comissão na Câmara dos Deputados em dezembro. Em tom de indignação, o ministro narrou as exigências do laboratório.

— (O CEO da Pfizer) Isenção completa de qualquer responsabilidade de efeitos colaterais da empresa, 100% de isenção. Qualquer pessoa que tenha passado mal com a vacina da Pfizer, a responsabilidade não será da Pfizer, se assinarmos o contrato dessa forma. O senhores sabiam disso? Acho que não. A Pfizer também não quer ser julgada nos nossos tribunais, não aceita ser questionada nos nossos tribunais. Nós temos que assinar uma cláusula dizendo que ela só vai responder em tribunais internacionais e não no Brasil — disse o ministro.

O GLOBO questionou o Ministério da Saúde e a Casa Civil sobre a exclusão do trecho da Medida Provisória, mas ainda não obteve resposta.

Foto: CHRISTOF STACHE.