O Brasil registrou, em dezembro, o maior número mensal de mortes por Covid-19 desde setembro, mostram dados apurados pelo consórcio de veículos de imprensa junto às secretarias de Saúde do país.
Os dados parciais para o mês – do dia 1º até as 13h desta terça-feira (29) – apontam 18.570 óbitos pela doença. O número é maior que os vistos em outubro e em novembro, e só não supera o de setembro.
Além disso, o número representa, em relação às mortes registradas em novembro, um aumento de 40%. É a primeira vez, desde julho, que a quantidade de mortes em um mês é maior que a vista no mês anterior.
As médias móveis diárias calculadas pelo consórcio de imprensa para dezembro também apontaram que, em 21 dos primeiros 28 dias do mês, houve tendência de aumento nos óbitos. Em novembro, foram 12 dias com a mesma tendência no mês inteiro.
O dado parcial referente a dezembro foi calculado subtraindo-se as mortes totais até as 13h desta terça (191.735) do total de mortes até 30 de novembro, que era de 173.165 até as 20h. Os números dos meses anteriores foram determinados com a mesma metodologia, mas considerando o último dia de cada mês. (Veja mais ao final da reportagem).
Segunda onda
Para o físico Domingos Alves, responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, o que se observa são as consequências da segunda onda da pandemia.
“A segunda onda já se impôs desde final de outubro. É óbvio que tenhamos um acréscimo no número de óbitos, em dezembro – que ainda não acabou –, muito maior que em novembro”, afirma.
Alves diz, ainda, que o padrão de óbitos da segunda fase da pandemia é diferente do da primeira.
“Quando se via o número de casos crescendo na primeira onda, se esperava duas semanas e já se via o número de óbitos crescendo. Agora, o delay [atraso] tem mais de um mês. As pessoas se infectando são as mais jovens – demora mais para infectar os mais velhos e [a pessoa] vir a óbito”, afirma o pesquisador da USP.
Ele acrescenta, ainda, que “aprendemos muito com o controle da pandemia. As pessoas internadas hoje vão menos a óbito que no início”.
Desde o primeiro caso de Covid, a ciência aprendeu formas de manejar pacientes com a doença – como, por exemplo, colocando-os de bruços.
Para o pesquisador, o cenário visto hoje “ainda é a ponta do iceberg”.
“Para janeiro, esses dados vão se agravar. Nós vamos ter uma mortalidade por Covid aqui no Brasil não vista até agora na pandemia. O número de óbitos vai explodir”, diz Domingos Alves.
Feriados e eleições
A previsão de Domingos Alves é compartilhada pela enfermeira epidemiologista Ethel Maciel, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
“Com as festas de final de ano, com certeza teremos muitos casos e muitas mortes – porque as pessoas não estão fazendo o distanciamento, estão se aglomerando”, diz.
“Isso está muito relacionado a esse cansaço das pessoas. O vírus não se cansou da gente. Nós podemos ter cansado dele, mas ele não cansou. Ele se adaptou melhor – fez mutações que deram a ele uma capacidade maior de transmissão”, lembra Maciel.
Recentemente, novas mutações do coronavírus foram encontradas no Reino Unido e na África do Sul. Elas podem ser mais contagiosas do que outras “versões” do vírus. (Entenda mais sobre o que são mutações).
Para Ethel Maciel, o aumento nas mortes visto neste mês é reflexo de aglomerações anteriores – dos feriados de 12 de outubro, 2 de novembro e das eleições. Ela pontua que os próprios políticos, por exemplo, não deram bons exemplos de comportamentos para evitar a transmissão do vírus.
“As eleições tiveram influência. Políticos, pessoas se aglomerando: infelizmente foi o que nós vimos. A gente estava esperando o aumento de casos desde depois do feriado de outubro. Infelizmente, o que a gente faz hoje tem reflexo duas semanas depois. A gente vinha se preparando para chegar o verão muito próximo do controle. No final de outubro, viu a curva se modificando”, avalia.
A epidemiologista chama atenção também para o fato de que, nesta fase da pandemia, o risco de colapso dos sistemas de saúde – inclusive do privado, menos afetado no início do ano – é ainda maior. Isso porque os procedimentos que acabaram suspensos por causa da pandemia voltaram a ser feitos.
Ou seja: agora, os pacientes com Covid têm que “disputar” leitos de UTI, por exemplo, com aqueles que têm outros problemas de saúde.
“Alguns estados que não tiveram colapso antes correm risco de ter agora. Leitos foram desativados. A nossa capacidade de resposta não está sendo tão rápida. A gente está num momento de muita preocupação. Corre o risco de as pessoas ficarem doentes e não terem leitos – tanto no sistema público quanto no sistema privado”, alerta Maciel.
A professora da Ufes pede que, para o Ano Novo, as pessoas evitem se expor a riscos.
“O Ano Novo, culturalmente, é uma celebração em que a gente costuma se aglomerar. Esse ano, vamos ter essa passagem de ano diferente, ficar com a família”, sugere.
Metodologia
O consórcio de veículos de imprensa começou o levantamento conjunto no início de junho. Por isso, os dados mensais de fevereiro a maio são de levantamentos exclusivos do G1. A fonte de ambos os monitoramentos, entretanto, é a mesma: as secretarias estaduais de Saúde.
Outra observação sobre os dados é que, no dia 28 de julho, o Ministério da Saúde mudou a metodologia de identificação dos casos de Covid e passou a permitir que diagnósticos por imagem (tomografia) fossem notificados. Também ampliou as definições de casos clínicos (aqueles identificados apenas na consulta médica) e incluiu mais possibilidades de testes de Covid.
Desde a alteração, mais de mil casos de Covid-19 foram notificados pelas secretarias estaduais de Saúde ao governo federal sob os novos critérios.
Foto: Amanda Perobelli.