A iniciativa do procurador-geral da República, Augusto Aras, de recorrer ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) para tratar da distribuição de processos da operação Lava Jato no STJ (Superior Tribunal de Justiça) é apontada por investigadores do caso como mais uma maneira encontrada por ele para impor limites às investigações.
A partir de uma provocação de Aras, o conselho proibiu que recursos da Lava Jato no STJ sejam distribuídos automaticamente a subprocuradores-gerais designados para atuar nos recursos da operação no tribunal e decidiu concentrá-los em uma única subprocuradora, Áurea Maria Etelvina Pierre.
Segundo integrantes da PGR ouvidos pela Folha, a decisão do CNMP contraria atos do CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal), instância máxima administrativa do Ministério Público Federal, onde Aras encontra resistências frente sua postura em relação à Lava-Jato.
A subprocuradora Áurea Maria Pierre é titular do ofício encarregado de analisar casos da operação no STJ.
Após uma deliberação do conselho superior em dezembro de 2015, na gestão do então procurador-geral Rodrigo Janot, cinco subprocuradores-gerais foram designados para prestar auxílio à colega “nos feitos judiciais e extrajudiciais oriundos do Paraná e relativos ao “caso Lava Jato” com trâmite perante o Superior Tribunal de Justiça”.
Foi criada, assim, uma força-tarefa da Lava Jato no STJ. Atualmente, o grupo é composto pelos subprocuradores Áurea Maria Pierre, Francisco de Assis Vieira Sanseverino, José Adonis Callou de Araújo Sá, Marcelo Antônio Muscogliati e Nívio de Freitas Silva Filho.
Outra providência foi estabelecer uma rotina para que os casos da Lava Jato que chegassem ao STJ fossem distribuídos de maneira automática, aleatória e equitativa entre os integrantes da força-tarefa no tribunal.
Aras foi ao CNMP contra essa sistemática. “Na prática, para além do mero auxílio, a subprocuradora Áurea Etelvina está compartilhando as atribuições de procuradora natural, que exerceria nos processos que envolvem a Lava-Jato em trâmite no STJ, com outros membros”, afirmou o procurador-geral.
Coube ao conselheiro Marcelo Weitzel analisar o pedido, autuado no CNMP na quarta-feira (2). Na mesma data, Weitzel concedeu uma liminar que, na prática, concentra na subprocuradora Áurea Maria Pierre a decisão sobre compartilhar ou não os casos com os colegas designados para atuar na Lava Jato no STJ.
“Embora o volume de feitos torne salutar, e até mesmo necessária, a designação de membros para auxílio ao membro responsável, aos membros auxiliares não cabe agir sem o aval daquele [Áurea Maria Pierre] ao qual auxiliam”, afirmou Marcelo Weitzel.
Consultados pela Folha, investigadores da Lava Jato classificaram a decisão do CNMP como prejudicial à Lava Jato. Para eles, ao invés de recorrer ao conselho, Aras poderia ter promovido o debate dentro do próprio Ministério Público, no conselho superior.
Procurada pela reportagem, a PGR afirmou que não se manifestaria sobre a decisão do CNMP, que emitiu um comunicado sobre o assunto para informar detalhes a respeito da liminar concedida por Weitzel.
Aras tem uma reunião extraordinária do Conselho Superior para convocar nos próximos dias. Existem pautas pendentes a serem debatidas, e ele adiantou que pretende discutir a prorrogação da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
A designação de procuradores para atuar no caso vence no dia 10 de setembro. O procurador-geral não se pronunciou a respeito, mas cogita conceder prazo menor de ano, destoando do que vinha ocorrendo, e um número menor de integrantes.
Na atual configuração da Lava Jato atuam procuradores da República e procuradores regionais da República, o que exige na legislação interna o referendo do conselho superior. Hoje há 14 investigadores —o número com uma eventual redução não foi definido.
Crítico da atuação da Lava Jato, Aras já travou embates no colegiado com outros integrantes por causa de posicionamento divergente que tem sobre o trabalho dos procuradores em Curitiba.
Na terça-feira (1º), a subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra Santos, uma das integrantes do conselho superior, decidiu de forma liminar (provisória) prorrogar a Lava Jato por um ano.
Um subprocurador disse à Folha que a decisão da colega tem base legal discutível porque envolve questões administrativas de alocação de pessoal e uso de recursos, atribuições do procurador-geral da República e não do conselho superior.
Isso não significa, frisou este mesmo integrante da PGR, que Aras tenha capital político suficiente para contestar e não cumprir. A subprocuradora Maria Caetana Santos é, inclusive, considerada próxima à gestão hoje no comando da procuradoria.
Para administrar o MPF até pelo menos setembro de 2021, quando vence seu mandato, Aras vai precisar minimamente dos subprocuradores e do conselho superior. E a avaliação é que, pelo menos internamente, ele está ficando isolado no assunto Lava Jato.
Por isso, avaliam colegas de Aras, a iniciativa dele em levar ao CNMP o assunto que resultou em decisão considerada desfavorável ao trabalho da força-tarefa da operação.
Foto: Adriano Machado.