O STF (Supremo Tribunal Federal) considerou inconstitucional, de forma unânime, o pagamento de aposentadorias com recursos vinculados à educação. O julgamento terminou na noite de segunda-feira (17).
A ação julgou item de uma lei estadual de São Paulo, de 2007, que permitiu computar como gasto em educação o déficit previdenciário. Mas o tema tem implicações sobre o debate do Fundeb no Senado.
Texto aprovado na Câmara sobre o fundo —principal mecanismo de financiamento da educação básica— vetou esse uso. No Senado, no entanto, há movimentos para derrubar a proibição.
A exemplo de ao menos outros nove estados, São Paulo calcula há alguns anos como gasto mínimo constitucional em educação pagamentos de professores aposentados.
São valores que, na prática, não chegam às atividades educacionais e por vezes vêm do próprio Fundeb.
A manobra foi alvo de uma CPI na Assembleia Legislativa paulista entre 1999 e 2000, antes dessa lei.
O TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) questionara o cálculo já após a legislação, mas tem permitido o desvio nas prestações de contas anuais.
Hoje sob a liderança de João Doria (PSDB), São Paulo é governado pelos tucanos há mais de 24 anos. Os índices educacionais do estado seguem em tendência de estagnação, com a manutenção de escolas precárias.
Só no ano passado, cerca de R$ 6 bilhões pagos a aposentados foram considerados como gastos com educação. O mais grave é que R$ 3,4 bilhões desses recursos foram desviados do Fundeb.
A Constituição Federal determina investimento de 25% das receitas para a área. Já a Constituição de São Paulo fala em 30% —mas só ao considerar o gasto com aposentados é que o estado alcança essa exigência.
Em nota, a Secretaria da Fazenda de São Paulo disse que cumpre o limite mínimo estabelecido pela Constituição e que aguardará a publicação do acórdão para avaliar a decisão.
Esses percentuais são calculados com base no conceito de Manutenção e Desenvolvimento da educação, definido pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação. A LDB exemplifica aquilo que pode ser considerado manutenção e desenvolvimento, o que inclui salários e recursos pedagógicos, por exemplo, mas exclui itens como merenda.
Também exclui professores “em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino”. Como não cita explicitamente aposentados, governos têm lançado mão dessa brecha, o que levou a questão ao Supremo.
A legislação paulista foi questionada no Supremo em 2017, em ação da PGR (Procuradoria-geral da República).
No voto, o ministro Edson Fachin afirma que a manobra “avilta o direito social fundamental à educação” porque prejudica a destinação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino.
“Compreendo que somente o pagamento de servidores da educação em atividade preenche a hipótese normativa”, diz o voto, acompanhado por todos os ministros, com exceção de Cesar de Mello, que não participou do julgamento.
O governo Doria argumentou à Folha, em nota, que o gasto com aposentados é computado além dos 25% constitucionais, apenas para cumprir a exigência da Constituição Estadual de 30%.
Na decisão, Fachin desconsiderou o argumento. “O conceito de manutenção e desenvolvimento de ensino não pode representar parâmetros distintos para diferentes estados.”
O uso do Fundeb com aposentados foi alvo de debates na Câmara, mas acabou vetado. Agora, no Senado, duas emendas buscam permitir a operação.
Uma delas, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), prevê prazo para estados e municípios utilizarem recursos para inativos e pensões.
“Sem esse prazo”, diz a justificação da emenda, a situação “será de confusão fiscal, pois encontrarão dificuldades para fazer frente às despesas com inativos, nos casos em que estiverem sendo pagas com os recursos do Fundeb”.
A regra atual, descrita na lei de regulamentação do fundo, também veta a aplicação dos recursos para além do que é descrito como manutenção e desenvolvimento do ensino.
A procuradora Elida Graziani, do Ministério Público junto ao TCE-SP, tem tido forte atuação no tema no estado. Segundo ela, a posição do Supremo clareia a questão e há certeza de judicialização caso o texto do Senado vá nesse sentido.
“Se o Congresso quiser convalidar uma fraude que o Supremo já declarou inconstitucional, colocará o próprio Fundeb em risco”, diz ela. “Esse desvio custa a capacidade de o estado manter as escolas e garantir aprendizado adequado.”
Graziani ressalta que, só em São Paulo, a renúncia fiscal representa R$ 24 bilhões, três vezes o valor destinado ao estado pelo Fundeb —o que indica outras fontes de recursos. O custo previdenciário, diz ela, deve ser debatido nas reformas sobre o tema.
Ao menos quatro estados (GO, ES, PB e AL) tiveram legislações similares questionadas pelo STF, que já decidiu pela inconstitucionalidade nos casos de Alagoas e Goiás.
A votação do Fundeb no Senado está prevista para quinta-feira (20). O relator, senador Flávio Arns (Rede-RS), disse que fez uma nota aos senadores sobre a questão.
“Há decisão do Fachin dizendo ser inconstitucional, já é assunto resolvido judicialmente”, diz ele, ressaltando que o próprio MEC tem orientações para que não haja esse uso.
Ainda não constam as assinaturas necessárias para a emenda de Tasso e de outras cinco já protocoladas.
Além da questão dos aposentados, também tratada em emenda do senador Carlos Viana (PSD-MG), ainda se questiona a definição de mínimo de 70% do Fundeb para salários de profissionais de educação e a constitucionalização do CAQ (Custo-Aluno Qualidade) como dispositivo de padrão mínimo de qualidade.
Emenda do senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) busca elevar a complementação da União para 30%. A Câmara aprovou elevação dos atuais 10% para 23%, de modo escalonado, até 2026.
Essa alta vai permitir, por exemplo, uma expansão de recursos para a educação que tira ao menos 46% dos municípios brasileiros da condição de subfinanciamento.
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