Um grupo de cientistas suecos que avaliou a imunidade de pessoas à Covid-19 encontrou algumas com células do sistema imune que se “lembravam” do vírus e sabiam atacá-lo. Estranhamente, alguns desses indivíduos não manifestaram sintomas e testaram resultado negativo em exames sorológicos para a doença.
Natalia Pasternak: Socorro, não tenho anticorpos!
Descrito em estudo publicado sexta-feira (14) na revista “Cell”, o achado reforça uma noção crescente de que a imunidade de tipo celular — na qual “células assassinas” do sistema imune matam células contaminadas com o vírus — é crucial na resposta do organismo ao Sars-CoV-2. Nos casos mais extremos, o sistema imune conseguiria derrotar o vírus até mesmo sem produzir anticorpos, proteínas que atacam diretamente os patógenos.
As células em questão, capazes de desencadear uma reação contra o vírus por ação “citotóxica” (tóxica para outras células), são conhecidas como linfócitos T. Cientistas já desconfiavam do papel importante delas, porque o nível de produção de anticorpos em pessoas egressas de infecções por Covid-19 geralmente cai. Pela primeira vez, porém, foram encontradas pessoas cujos linfócitos T tinham “memória” do Sars-CoV-2 (sinal de infecção prévia), mas que não estavam produzindo anticorpos.
Os pesquisadores, liderados por Marcus Buggert, do Instituto Karolinska, de Estocolmo, afirmam que “muitos indivíduos com Covid-19 leve ou assintomática, depois da exposição ou infecção pelo Sars-CoV-2, geraram respostas duráveis e funcionais de células T de memória, não raro na ausência de resposta detectável de anticorpos”.
Alguns desses indivíduos, contam os pesquisadores, testaram negativo nos exames sorológicos (que detectam anticorpos produzidos contra o vírus), mas tinham sido diagnosticados por exames de RT-PCR (que detecta a presença do vírus em si) meses antes.
Essa é uma boa notícia. “Sugere que a exposição natural ou infecção deve prevenir episódios recorrentes de Covid-19”, dizem os cientitas, ao menos durante alguns meses. Os autores do estudo sugerem até mesmo que estudos que buscam saber a prevalência da doença na sociedade usando exames sorológicos podem estar subestimando o espalhamento da Covid-19.
Segundo O Globo, para fazer a pesquisa, os cientistas do Karolinska recrutaram 206 moradores da Suécia que tinham tido diferentes experiências relacionadas à Covid-19, desde assintomáticos, passando por casos leves até os severos.
Como forma de comparação, analisaram também amostras de sangue coletadas de outros voluntários no meio de 2019, que não poderiam ter sido infectados pela Covid-19. Curiosamente, algumas dessas amostras (28%) também tinham linfócitos T que reagiam ao Sars-CoV-2, algo que os pesquisadores dizem ser algo esperado. Isso ocorreu provavelmente porque causa de infecções prévias por outros tipos de coronavírus, mais inofensivos, que circularam em anos anteriores.
Entre os pacientes sem anticorpos, mas que cederam amostras de sangue recentemente, essa proporção foi maior, porém, de 40% a 60%, possivelmente elevada em função da grande prevalência do novo coronavírus.
De olho nas vacinas
O trabalho sueco também aponta algumas das proteínas do vírus que funcionam como “antígenos”, fragmentos de proteínas que o sistema imune é capaz de reconhecer.
Na opinião do imunologista Ricardo Gazzinelli, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o estudo sueco reforça a noção de que os linfócitos T são cruciais na reação à Covid-19, mas isso não significa que os anticorpos não sejam importantes.
— Quando você desenvolve uma vacina, o ideal é tentar induzir os dois tipos de resposta, a celular e a de anticorpos, de forma ampla — afirma o pesquisador.
— Um ponto crítico é identificar quais antígenos do Sars-Cov-2 estão sendo reconhecidos pelos linfócitos T desses indivíduos resistentes, porque achando isso você pode desenhar uma vacina com esses antígenos para testar. Neste estudo eles já começam a olhar para isso — afirma.
Foto: Yves Herman.