“Estudei iluminação, varo madrugadas acompanhando tutoriais de edição de vídeo e montando roteiros. Ligo o computador às 10h e só desligo por volta de meia-noite”. O relato caberia a um youtuber, mas é de uma professora do 1° ano do Ensino Fundamental. Desde a suspensão das atividades presenciais nas escolas de Minas Gerais – condição imposta pela pandemia do novo coronavírus – Beatriz Torres encara o que talvez seja o maior desafio de sua carreira, iniciada há 30 anos: o ensino remoto.
Há cinco meses, ela reinventa métodos, técnicas e recursos para alfabetizar 24 crianças a distância, controlar a natural indisciplina dos alunos em ambiente virtual e ainda se certificar de que eles estão aprendendo. “Fora que estamos falando de uma atividade 80% afetiva. Quem alfabetiza precisa lidar com a criança que vem mostrar o dentinho que caiu. O professor precisa estabelecer com ela uma relação de confiança. Então, além de dar aula, eu disponibilizo meu WhatsApp aos pais, dou uma atenção individualizada, senão, não funciona. E ainda preciso conciliar tudo isso com a rotina familiar”, conta a educadora.
Segundo o msn, a sobrecarga tem se refletido na saúde emocional dos professores de Minas e do Brasil. Ao menos duas pesquisas realizadas este ano mostram a dimensão do problema. Uma delas, realizada pelo portal Nova Escola, ouviu 8,1 mil educadores de todos os estados brasileiros das redes pública e privada. Segundo o levantamento, divulgado em 21 de julho, 28% dos entrevistados avaliam a própria saúde mental como ruim ou péssima nesse momento. Entre os profissionais mineiros, o percentual é de 32%. A experiência de trabalho remoto no estado foi classificada como ruim ou péssima por 72% dos participantes.
Em maio, outro estudo, conduzido pelo Instituto Península, envolvendo 2,4 mil docentes, desenhou um cenário semelhante: 53% dos respondentes disseram estar muito ou totalmente preocupados com a própria saúde. Muitos também relataram sentimentos como medo, ansiedade e insegurança.
Adoecimento
Para a psicóloga e especialista em terapia cognitiva comportamental, Renata Borja, o quadro é propício ao desenvolvimento da chamada Síndrome de Bournout. O distúrbio consta na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS) desde maio de 2019. Os principais sintomas são exaustão, alterações no apetite e humor, sentimento de incompetência, dores musculares e falhas na memória – resultantes de trabalhos desgastantes, competitivos ou que envolvem muita responsabilidade. Em estágios mais avançados, o esgotamento profissional pode levar à depressão profunda.
“A vulnerabilidade ao adoecimento varia de pessoa para pessoa. Ele depende de fatores internos e externos. Os internos têm a ver com os aspectos psicológicos de cada um, como história familiar ou crenças. Os externos são aqueles que geram estresse, como cobranças e mudanças repentinas. Tem gente com alta tolerância ao estresse e há quem adoeça diante de uma pressão mínima. A pandemia, de qualquer forma, é uma situação caótica como poucas que já vivemos”, analisa a terapeuta.
Entre os principais fatores que impactam a saúde emocional dos professores na quarentena, Renata aponta as transformações bruscas impostas pelo ensino remoto, que exigiram o desenvolvimento de habilidades e competências em grande velocidade. “Muitos professores não estavam habituados a lidar com a tecnologia e foram pressionados a aprender diversas técnicas rapidamente. A curva de aprendizado leva um tempo, que eles não tiveram. Some-se a isso o fato de que muitas escolas sequer ofereceram cursos ou treinamentos adequados, os profissionais precisaram se virar sozinhos. Tudo isso gera sensação de fracasso, impotência, frustração, entre outras emoções muito negativas ”, avalia a psicóloga.
A grande carga de responsabilidade, o alto nível das cobranças impostas por empregadores de pais de alunos, além da rotina familiar que, com o home office, acaba por atropelar o trabalho, completam a atmosfera estressante dos educadores. “Muitos já pedem licenças e afastamentos para cuidar da saúde. Não é fácil mesmo encarar tudo isso. Trabalhar em casa com filhos, poucos computadores disponíveis, medo de perder o emprego e ainda o receio da própria pandemia exige muito do profissional”, pondera Renata.
Foco nas emoções
A saída para não pirar durante a pandemia pode estar no que Renata Borja chama de modulação emocional. De acordo com a especialista, trata-se da capacidade que qualquer pessoa pode desenvolver para lidar com emoções fortes – sobretudo as negativas, que levam à inércia e ao desvio de foco.
A primeira atitude que o profissional pode tomar nesse sentido, ensina a psicóloga, é se cobrar menos e ter mais compaixão por si mesmo, além de parar julgar as próprias emoções.”’Ah, mas eu não deveria estar sentindo essa raiva’. Mas está sentindo. Sinta. O que importa não é o que a gente sente, mas como lidamos com esses sentimentos”.
O próximo passo, segundo a especialista, é aprender a usar as emoções de forma assertiva. “Dentro do limite adequado, elas funcionam como um estímulo. A raiva, por exemplo, sob controle traz foco. E que tal eu isso para focar naquilo que, nesse momento, eu consigo fazer, e não para me revoltar com o que eu não consigo? A terapia pode ajudar nesse equilíbrio”, propõe.
Novos tempos, novos hábitos
Renata também sugere adaptações na rotina para melhorar a qualidade de vida e, consequentemente, a saúde emocional dos educadores sobrecarregados pelo ensino remoto. Veja o que é possível fazer desde já.
Peça ajuda
“Esse é o ponto mais importante: não espere ficar gravemente adoecido para procurar ajuda profissional. Alterações bruscas de humor, cansaço excessivo, taquicardia e dores de cabeça frequentes costumam ser os primeiros sinais da síndrome de Burnout. Diante deles, o professor deve acionar o médico ou o psicólogo de sua confiança”
Planeje-se
“Estabeleça metas diárias e, pelo menos, mensais, realistas. Foque nas suas habilidades, não nas suas deficiências. Sem planejamento, é quase impossível vencer o estresse”.
Lazer e atividade física
“Proporcione a si mesmo momentos constantes de lazer. Já os exercícios físicos, vão ajudar na produção de serotonina e endorfina, reguladores naturais do humor”
Exercite a espiritualidade
“São momentos valiosos de encontro da pessoa com ela mesma, que ajudam no processo de autoacolhimento. Quem não crê em nada pode praticar meditação, por exemplo. O efeito é similar”
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