Quando o seu conteúdo ainda era desconhecido, circularam duas versões sobre os bastidores da famosa reunião ministerial de 22 de abril. Para Jair Bolsonaro, ela revelaria que o ex-juiz Sergio Moro não era uma figura de princípios tão nobres. Prova disso é que ele teria sido repreendido pelo presidente na frente dos colegas por fechar os olhos a supostos excessos cometidos por policiais que estariam arbitrariamente prendendo pessoas no início da pandemia. Bolsonaro chegou a anunciar que iria tornar pública essa parte da reunião — uma clara tentativa de constranger Moro, que havia se demitido do Ministério da Justiça e acusava o presidente de tentar interferir indevidamente na Polícia Federal. Ao saber da intenção de Bolsonaro, Moro pediu ao Supremo Tribunal Federal que autorizasse a divulgação não apenas de um trecho, mas também da íntegra da reunião. O ex-ministro argumentou que havia nela diálogos que provariam as más intenções do presidente.
O pedido de Moro foi acatado, mas o conteúdo da gravação não produziu o resultado previsto por nenhum dos dois lados. A reunião, na verdade, expôs o núcleo radical do governo. Ao longo de duas horas, o que se viu foram ofensas contra ministros do Supremo, contra governadores, críticas a outros países e um presidente da República visivelmente alterado. A confusão provocada pelo vídeo foi tamanha que, passados dois meses desde a sua divulgação, o Planalto ainda trabalha para contornar os danos institucionais, diplomáticas e políticos. Por causa da repercussão, Bolsonaro submergiu, escalou uma equipe de auxiliares para pacificar as relações com o Supremo e foi aconselhado a demitir três ministros. Abraham Weintraub, da Educação, foi o primeiro a tombar. Na reunião, ele defendeu prender ministros do STF, a quem chamou de “vagabundos”. Os outros dois ministros — Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, que apareceu fazendo críticas pesadas à China, e Ricardo Salles, do Meio Ambiente, que sugeriu aproveitar o surto da Covid-19 como distração para aprovar leis controversas — balançaram em seus cargos e, agora, mantêm-se bem mais retraídos.
Os desdobramentos do caso atingiram diretamente o presidente da República e ampliaram o fosso que já não era pequeno entre ele e o Supremo. Bolsonaro foi impedido pelo STF de nomear o seu amigo Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal, vai prestar depoimento no inquérito que investiga a denúncia de interferência na PF, viu seus ministros mais próximos e fiéis aliados sendo convocados a depor “debaixo de vara” e teve de enfrentar o endurecimento da Corte em relação aos militantes bolsonaristas mais radicais — um monumental turbilhão que, apesar de tudo, não produziu até agora uma prova contundente a ponto de esclarecer se, de fato, Bolsonaro cometeu alguma irregularidade, como sugeria Moro, nem algo que comprometesse a biografia do ex-ministro da Justiça, como insinuava o presidente. Apesar disso, Moro, o denunciante, pode acabar sendo o maior prejudicado.
Logo que o ex-ministro da Justiça pediu demissão, a Procuradoria-Geral da República decidiu abrir uma investigação para apurar as acusações contra o presidente. O ex-ministro confidenciou a amigos estar convencido de que a apuração será concluída pelo procurador-geral Augusto Aras sem fazer imputação alguma a Bolsonaro. Está convencido também de que há boa probabilidade de ele passar de acusador a acusado. Isso porque, ao instaurar o inquérito, Aras determinou que, além da tentativa de interferência, fosse apurada a eventual ocorrência de crime contra a honra e de denunciação caluniosa contra o presidente, cujas penas, somadas em caso de condenação, podem chegar a até dez anos de prisão. “Ele era o ministro da Justiça e devia ter mais responsabilidade sobre o que estava dizendo contra o presidente”, afirmou a VEJA um auxiliar de Aras, revelando a disposição da PGR.
Na reunião de abril, Bolsonaro reclamou de ações que teriam como alvo ele, sua família e seus amigos. “Eu não vou esperar f… a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança. Vai trocar!”, disse o presidente. Esse era o trecho que, segundo o ex-ministro, demonstraria a intenção de Bolsonaro em interferir na PF atendendo a interesses pessoais. A investigação está na fase de diligências. Já foram ouvidos o ex-juiz, ministros, funcionários do Planalto e delegados. Uma das últimas etapas antes de a Polícia Federal concluir o trabalho é tomar o depoimento do próprio presidente. Depois disso, Aras decidirá se apresenta denúncia contra Bolsonaro, Moro ou nenhum dos dois. As duas últimas hipóteses são as mais prováveis.
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