O ministro da Educação, Abraham Weintraub, chamou os minitros do Supremo Tribunal Federal de “vagabundos” na reunião ministerial de 22 de abril e disse que queria prendê-los. “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”, disse ele. O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), viu possível crime de injúria.
Segundo o G1, Weintraub começou sua participação no encontro explicando o motivo para compor o governo, que seria “a luta pela liberdade” e “acabar com essa porcaria, que é Brasília”, “um cancro de corrupção, de privilégio”, e lamentou as dificuldades que estaria enfrentando.
“A gente tá perdendo a luta pela liberdade. É isso que o povo tá gritando. Não tá gritando pra ter mais Estado, pra ter mais projetos, pra ter mais… o povo tá gritando por liberdade, ponto. Eu acho que é isso que a gente tá perdendo, tá perdendo mesmo. A ge… o povo tá querendo ver o que me trouxe até aqui. Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”, disse ele, como mostra a gravação da reunião, cujo sigilo foi suspenso nesta sexta-feira (22) por Celso de Mello, um dos ministros do Supremo.
Sobre o trecho do vídeo, Celso de Mello determinou que todos os ministros da Corte sejam oficiados para que, caso queiram, adotem as medidas cabíveis. “Constatei, casualmente, a ocorrência de aparente prática criminosa, que teria sido cometida pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que, no curso da reunião ministerial realizada em 22/04/2020, no Palácio do Planalto, assim se pronunciou em relação aos Ministros do Supremo Tribunal Federal.”
Segundo o ministro, a declaração “põe em evidência, além do seu destacado grau de incivilidade e de inaceitável grosseria, que tal afirmação configuraria possível delito contra a honra (como o crime de injúria)”.
A gravação da reunião foi incluída no inquérito aberto pelo STF, a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR), para investigar se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal.
Em 24 de junho, quando anunciou a demissão do Ministério da Justiça, Sergio Moro disse que Bolsonaro tentou interferir na corporação. Segundo Moro, a gravação da reunião ministerial de 22 de abril comprova a tentativa do presidente da República.
No vídeo, que o Planalto resistiu em entregar ao Supremo sob o argumento de que o encontro tratou de “assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de relações exteriores”, Weintraub também disse que enfrenta “um monte de processo aqui no Comitê de Ética da Presidência”.
“Eu vim aqui pra lutar, eu luto e me ferro. Eu tô com um monte de processo aqui no Comitê de Ética da Presidência. Eu sou o único que levou processo aqui. Isso é um absurdo. O que tá acontecendo aqui no Brasil; a gente tá conversando com quem a gente tinha que lutar. A gente não tá sendo duro o bastante contra os privilégios, com o tamanho do Estado. Odeio o partido comunista. Ele tá querendo transformar a gente numa colônia”, afirmou o ministro da Educação, que ainda fez críticas a “esse negócio de povos e privilégios”.
“Odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré. É povo brasileiro, só tem um povo. Pode ser preto, pode ser branco, pode ser japonês, pode ser descendente de índio, mas tem que ser brasileiro, pô! Acabar com esse negócio de povos e privilégios”, disse Abraham Weintraub.
A reunião ministerial
A reunião ministerial citada por Moro aconteceu em 22 de abril. Além do presidente Bolsonaro, estavam presentes o vice, Hamilton Mourão, Moro e outros ministros. Ao todo, 25 autoridades participaram do encontro.
Conforme diálogos do encontro, transcritos pela Advocacia-Geral da União, Bolsonaro reclamou da falta de informações da Polícia Federal e afirmou que iria “interferir”. A declaração, no entanto, não deixa claro como ele faria isso.
A defesa de Moro pediu ao STF que divulgue a íntegra do material. Celso de Mello, então, pediu pareceres à AGU e à PGR.
As respostas foram:
Procuradoria Geral da República: defende a divulgação somente de falas do presidente. Quer que o recorte seja dos trechos que tratam da atuação da Polícia Federal, da “segurança”, do Ministério da Justiça, da Agência Brasileira de Inteligência e da alegada falta de informações de inteligência das agências públicas.
Advocacia Geral da União: defende a divulgação das falas de Bolsonaro, mas não das falas dos demais participantes de reunião.
Cronologia
24 de abril, manhã: Sergio Moro se demite do cargo de Ministro da Justiça, e diz que Jair Bolsonaro interferiu na PF ao demitir o então diretor-geral do órgão, Maurício Valeixo, e insistir na troca do comando da PF no Rio de Janeiro.
24 de abril, tarde: Jair Bolsonaro faz pronunciamento cercado pela maioria de seus ministros e diz que Moro propôs aceitar demissão de diretor da PF se fosse indicado ministro do STF. O presidente nega interferência mas diz que pedia a Moro, e nunca obteve, um relatório diário das atividades da PF para poder tomar decisões de governo.
24 de abril, noite: Jornal Nacional revela parte das mensagens trocadas entre o ex-ministro e a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), em que ela tentava convencer Moro a permanecer no cargo.
24 de abril: Procurador-geral da República, Augusto Aras, solicita abertura de inquérito para apurar declarações de Moro.
27 de abril: Celso de Mello autoriza inquérito no STF para apurar declarações de Moro com acusações a Bolsonaro.
2 de maio: Ex-ministro Sergio Moro presta depoimento de mais de 8 horas na sede da PF em Curitiba.
6 de maio: Celso de Mello determina que vídeo seja entregue pelo governo em 72 horas.
6 de maio: AGU vai ao STF para tentar rever decisão que mandou entregar vídeo de reunião citada por Moro.
9 de maio: PGR pede acesso à integra do vídeo de reunião entre Bolsonaro e Moro.
14 de maio: Divulgada a íntegra da troca de mensagens entre Moro e Zambelli; deputada diz a Moro que Bolsonaro ‘vai cair se o sr. sair’.
14 de maio: AGU pede ao STF que libere somente as falas do presidente Jair Bolsonaro; defesa de Moro alega que a petição omite trechos relevantes para a compreensão correta da fala do presidente, e reforça pedido para publicar vídeo na íntegra.
15 de maio: Jair Bolsonaro admite, pela primeira vez, que citou a PF no vídeo da reunião ministerial e confirmou que a transcrição da Advocacia-Geral da União está correta.
19 de maio: Celso de Mello assiste à íntegra do vídeo da reunião ministerial.
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