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200 anos do Senado: 22% das cadeiras foram ocupadas por negros na última década

Nas últimas três eleições para o Senado, de 108 vagas disputadas, apenas 24 (22%) foram ocupadas por pessoas que se declararam negras no registro da candidatura.

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Esse número destoa do último Censo, de 2022, que mostrou que 55% dos brasileiros (112,8 milhões) — mais da metade da população — são pardos e pretos.

O Senado completou 200 anos nesta segunda-feira (25) e ainda hoje a representatividade de negros nessa Casa do parlamento é baixa.

Os registros da presença de senadores negros são precários, pois somente em 2014 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a considerar o quesito “cor/raça” na inscrição dos candidatos.

Cinco anos depois, a partir de 2019, o Senado começou a computar os dados, com base na autodeclaração dos parlamentares eleitos.

Na última atualização feita pela Casa, em agosto de 2023, 21 senadores negros (pretos e pardos) exerciam o mandato — 26% da composição do Senado, formado por 81 parlamentares.

Variações acontecem porque os suplentes podem assumir a vaga, caso de Ana Paula Lobato (PSB-MA), da chapa de Flávio Dino, que virou ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos são pardos.

Nessa lista do Senado, se declaram como pretos Paulo Paim (PT-RS), Beto Faro (PT-PA) e Magno Malta (PL-ES). Como pardos estão, por exemplo, Eliziane Gama (PSD-MA), Efraim Filho (União-PB) e Eduardo Gomes (PL-TO).

No ano passado, houve um pedido de investigação, já arquivado no STF, acusando Magno Malta, que se considera preto, de racismo.

O senador afirmou que a imprensa estaria “revitimizando” o jogador Vini Jr. “Cadê os defensores da causa animal que não defendem o macaco?”, disse o parlamentar do PL.

Abdias Nascimento

Antes das estatísticas oficiais, o que existe são discursos documentados de parlamentares como Abdias Nascimento (PDT-RJ), considerado o primeiro senador a se identificar como negro e a atuar por uma política antirracista.

Líder do movimento negro no Brasil, Nascimento era suplente de Darcy Ribeiro (PDT-RJ). Assumiu o mandato, de forma provisória, em 1991. Depois, em definitivo, em 1997. Ele faleceu em 2011, aos 97 anos.

De acordo com o arquivo do Senado, o parlamentar realizou pesquisa em que concluiu que o Brasil teve 22 senadores negros que o antecederam.

As duas avós de Abdias foram escravizadas no Império. Em 1998, quando a Lei Áurea — que aboliu a escravidão no país — completou 110 anos, ele fez um discurso em que pontuou a ausência de amparo à população negra após a abolição.

“De escravos, passaram a favelados, meninos de rua, vítimas preferenciais da violência policial, discriminados nas esferas da Justiça e do mercado de trabalho, invisibilizados nos meios de comunicação, negados nos seus valores, na sua religião e na sua cultura”, declarou.

De acordo com o G1, Abdias Nascimento fez parte da Frente Negra Brasileira na década de 1930 e chegou a ser preso durante a ditadura instituída por Getúlio Vargas.

Ele afirmava que as comunidades de origem africana sofrem da “falta de uma referência histórica que lhes permita construir uma autoimagem digna de respeito e autoestima”.

“A identidade ‘negra’ fica confinada às surradas categorias do ritmo, do esporte, do vestuário e da culinária, e parece que as atividades intelectuais, políticas, econômicas, técnicas e tecnológicas não estão a seu alcance. Assim, a criança de origem africana tende a não identificá-las como áreas de aspiração, reproduzindo, ela própria, a imagem excludente implícita na versão da história que lhe é passada”, disse o senador durante discurso em 1998.

Movimento Negro

Simone Nascimento, da coordenação nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), pontuou que a fundação do Senado aconteceu ainda no período de escravidão no Brasil.

Após a abolição, há 136 anos, o Estado não elaborou política pública nem empregou os recém-libertos. Segundo ela, as “fraturas do sistema escravagista se arrastaram”, gerando um país “repleto de diversas hierarquias sociais e raciais”.

Simone pontua que o formato atual das eleições ainda privilegia candidatos com “mais condições materiais” e, por isso, essas hierarquias “seguem sendo reproduzidas há séculos”.

“O perfil de elite e sobrenomes conhecidos do poder no país permanece nas casas legislativas. Pensar em avanços contra o nepotismo e a perpetuação de famílias inteiras em estruturas de poder legislativas é um caminho para romper com lógicas feudais e coloniais que temos em diversas cidades e estados do país ainda hoje”, argumentou.
Simone explica que as barreiras são maiores na eleição do Senado, pois os mandatos são de oito anos e os partidos geralmente indicam apenas um representante por estado. A representante do MNU defende que candidaturas comprometidas a combater o cenário de desigualdade devem ter acesso a recursos financeiros em maior volume dentro das legendas.

Ela dá o exemplo das cotas raciais nas universidades como legislação que amplia a representatividade negra nos espaços profissionais e até na política, mas afirma que ainda falta uma educação voltada para promoção da igualdade racial no país.

“Diversas famílias que lucraram com a escravidão seguem ocupando espaços de poder no país e, quanto menos refletirmos sobre isso na legislação mais obstáculos teremos na presença de descendentes, não de escravocratas, mas de pessoas que sofreram com o regime escravista no país, nesses espaços que têm formulado a República e a democracia. Ou seja, enquanto estivermos fora de espaços como esse, a democracia não será plena para nós”, concluiu.

Senadoras

Segundo o arquivo do Senado, a primeira senadora negra foi Laélia de Alcântara (PMDB-AC), que assumiu o mandato em 1981. Era médica obstetra, nasceu em Salvador, mas exerceu mandato pelo Acre.

Laélia em 2005, aos 82 anos. De acordo com o registro do Congresso, quando chegou no território do Acre, havia apenas seis médicos na região.

Ela propôs, por exemplo, mudanças na legislação para possibilitar que as mulheres pilotassem, dentro na Aeronáutica, e que progredissem de patente assim como os homens.

Em outra proposta, a parlamentar sugeriu que o comando da família deveria ser dividido entre homem e mulher, e que o homem poderia adotar o sobrenome da esposa.

Segundo as notas, Laélia relatou que, no juramento de posse, teve que seguir o discurso à risca e se declarar como “senador”, no masculino.

“A apreciação feroz do antropólogo Sílvio Coelho — segundo a qual ‘a atribuição dos subempregos ao contingente de cor foi incentivada por uma sociedade interessada em manter à sua disposição um celeiro de domésticas e lavadores de automóveis’ — ainda é repetida com visos de verdade. Urge fazer que ela não espelhe mais essa triste realidade. Os negros têm tudo para furar a barreira da penúria e da estagnação”, declarou em discurso.

Em 1995, 12 anos após a saída de Laélia, assumiram o posto de senadora duas mulheres negras: Benedita da Silva e Marina Silva, ambas do PT.

Foto: Reprodução Google.

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