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100 dias de governo Milei: entre derrotas no Congresso e ajustes na economia, como vai a experiência libertária na Argentina?

Javier Milei completou nesta segunda-feira (18) cem dias na presidência da Argentina. Nesse período, ele usou as redes sociais de forma frenética e tornou o clima político e social do país mais tenso ao tentar fazer um ajuste fiscal com cortes de despesas.

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De acordo com o G1, o principal lema dos cem primeiros dias foi “no hay plata” (não há grana).

Veja abaixo quais foram os principais acontecimentos na Argentina nesse período.

Derrrotas no Congresso

O plano de Milei para desregulamentar a economia argentina iria ser concretizado por duas leis:

-Um “decretaço”, uma espécie de medida provisória, que revoga ou modifica mais de 300 normas da administração pública argentina.

-Um projeto de lei batizado de lei “ómnibus”, que em sua versão original continha mais de 600 artigos.

Os dois projetos sofreram derrotas no Congresso, onde o partido de Milei é minoria. A lei “ómnibus” foi retirada de pauta na Câmara dos Deputados, e o megadecreto foi rejeitado no Senado (o texto ainda está em vigor até ser votado pelos deputados).

Essas derrotas mostram que o presidente não conseguiu usar sua popularidade para forçar os deputados e senadores a votarem como ele quer e nem negociar com o Legislativo.

“Milei gostaria de promover o seu projeto político e econômico a 100 km por hora, mas a velocidade de cruzeiro do governo é muito menor”, disse Carlos Malamud, principal pesquisador do Real Instituto Elcano.

Agora o seu programa está nas mãos dos deputados, que devem revisar uma versão diluída da lei “ómnibus” e tomar a decisão final sobre o “decretaço”, que permanece em vigor a menos que seja rejeitado também na Câmara dos Deputados.

Mas mesmo se o texto for aprovado, há processos na Justiça que questionam a constitucionalidade da medida. O consultor político Carlos Fara disse que na Justiça, boa parte do decretaço “está mortalmente ferida”.

‘Motosserra’ ligada

A “motosserra” é uma figura de linguagem que Milei usa para se referir a cortes de gastos do governo. Pouco depois de assumir o cargo, Milei ligou a sua “motosserra”: suspendeu obras públicas, não renovou contratos estatais, reduziu ministérios pela metade, liberou preços e contratos de aluguel e desvalorizou o peso em mais de 50%, provocando inflação de 25,5% em dezembro, que esfriou em fevereiro para 13%.

Com a desvalorização e o aumento de preços de 276% ao ano em fevereiro, o poder de compra dos argentinos foi destruído, principalmente o dos aposentados.
A meta do presidente é atingir o déficit zero este ano. É uma meta mais ambiciosa do que o que lhe pede o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), com o qual a Argentina mantém um acordo de crédito de US$ 44 bilhões de dólares (cerca de R$ 220 bilhões, na cotação atual).

Nestes cem dias, Milei reconstruiu as reservas brutas do Banco Central e alcançou um superávit financeiro em janeiro e fevereiro, algo sem precedentes desde o início de 2011.

“Há um ordenamento”, disse a economista independente Marina Dal Poggetto em uma recente entrevista televisiva. “A estabilização está funcionando ainda melhor do que se imaginava inicialmente, mas há questões sobre a governabilidade.”

Milei busca agora reunir fundos de US$ 15 bilhões (R$ 74,8 bilhões) com o FMI e entidades privadas para eliminar os controles cambiais em meados do ano, o que deu origem a vários tipos de dólar.

“As pessoas sabem que estamos passando por um momento muito difícil, mas estão começando a ver uma saída”, disse o presidente à Rádio La Red.

Tensão social

O outro lado deste “ordenamento” é a tensão social alimentada por demissões, aumentos de preços e aumentos nas tarifas dos serviços públicos devido à remoção de subsídios.

Os medicamentos aumentaram 40 pontos percentuais a mais que a inflação geral, o que provocou uma enorme queda nas vendas. Isso fez com que muitas pessoas abandonassem seus tratamentos crônicos.

“Entre comer e comprar o remédio, as pessoas escolhem comer”, disse à agência de notícias AFP a farmacêutica Marcela López, em Buenos Aires.

Em fevereiro, enquanto se debatia a lei “ómnibus”, milhares de pessoas protestaram em frente ao Congresso e foram reprimidas pela polícia.

Também houve protestos quando a entrega de alimentos a quase 40 mil cozinhas comunitárias foi suspensa, em um momento em que a pobreza afeta quase 60% da população. O objetivo, segundo o governo, é auditar o sistema e prestar assistência direta.

Os cortes afetaram também o orçamento das universidades, o apoio estatal ao cinema e à pesquisa em ciência e tecnologia.

O presidente se mantém firme nas pesquisas de opinião, que colocam sua popularidade perto dos 50%, e habituou os argentinos ao seu estilo excêntrico: governa e acusa seus opositores de traição na rede social X, cita o livro bíblico dos Macabeus e fala de sua equipe como “As Forças do Céu”.

Relações internacionais

Como parte do ajuste, Milei voa em linhas comerciais com uma comitiva reduzida.

Foi assim que chegou em janeiro a Davos, a sua estreia internacional, onde intrigou a elite econômica mundial ao alertar que “o Ocidente está em perigo” e ao criticar a justiça social e o “feminismo radical”.

Apesar das trocas de elogios com Donald Trump, a quem ele admira, e com o Papa Francisco, com quem se reconciliou-, as relações exteriores não têm sido uma prioridade para Milei, exceto quando suspendeu a adesão da Argentina ao bloco dos Brics.

Outra exceção é sua relação com Israel, para onde o presidente viajou para mostrar a sua proximidade com o país e o seu interesse espiritual pelo judaísmo.

Diego Giacomini, que co-escreveu quatro livros de economia com Milei, disse à rádio que seu agora ex-amigo “acredita ter uma missão divina” que “consiste em transformar a Argentina e levá-la à filosofia do Número Um, que é Deus, o liberalismo; e tirá-la da filosofia de Satanás, que é o socialismo”.

Foto: Emiliano Lasalvia.

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