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Reunião sobre decreto, mensagens de Cid e alvo de ataques: como Freire Gomes aparece nas investigações da tentativa de golpe

Ouvido pela Polícia Federal (PF) na operação Tempus Veritatis, o ex-comandante do Exército general da reserva Marco Antônio Freire Gomes não foi alvo da operação que investiga os participantes de uma tentativa de golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder. O militar, porém, participou de fatos investigados e recebeu mensagens de Mauro Cid, o braço direito de Bolsonaro, com informações sobre o andamento da tentativa de golpe.

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Além disso, Freire Gomes foi alvo de ataques de apoiadores do ex-presidente envolvidos no caso por supostamente não aderir à trama golpista, aponta PF. Por esse motivo, na sexta-feira (1º), ele foi ouvido na condição de testemunha e, por isso, foi obrigado a falar a verdade. O teor do depoimento está em sigilo.

Após as revelações de Freire Gomes, a Polícia Federal marcou para a próxima segunda-feira (11) um novo depoimento para que Mauro Cid esclareça novos detalhes.

Quem é Freire Gomes?

Nomeado por Bolsonaro como comandante do Exército em março de 2022, ele assumiu o cargo após o general Paulo Sérgio Nogueira deixar o posto para se tornar ministro da Defesa. Nogueira é alvo da investigação.

De acordo com o G1, Freire Gomes foi o terceiro comandante do Exército no governo Bolsonaro. Antes de Paulo Sérgio Nogueira, quem estava no cargo era o general Edson Pujol, que foi trocado por Bolsonaro meses após dizer que “militares não querem fazer parte da política nem querem política nos quartéis”.

Como ele aparece nas investigações sobre a tentativa de golpe?

1 – Segundo a PF, Freire Gomes participou de uma reunião no Palácio da Alvorada, residência oficial do então presidente Jair Bolsonaro, em 7 de dezembro de 2022. Nessa reunião, foi apresentada a Bolsonaro uma minuta de decreto que previa a prisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, e a realização de novas eleições;

2 – Além disso, a PF identificou mensagens de Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro, para Freire Gomes. Nelas, Cid fala sobre os manifestantes pró-Bolsonaro e o que chamava de “pressão” sobre o ex-presidente para que ele tomasse “uma medida mais radical”.

“Bom dia general! Sei que o momento não é apropriado, mas só para atualizar o senhor… O presidente vem sendo pressionado, aí, por vários atores a tomar uma medida, mais, mais radical, né? Mas ele ainda tá naquela linha do que foi discutido, que foi conversado com os Comandantes, né, com o ministro da Defesa. Ele entende as consequências do que pode acontecer. Hoje ele mexeu naquele decreto, né. Ele reduziu bastante. Fez algo mais direto e curto, e limitado, né”, disse Mauro Cid em mensagem a Gomes no dia 9 de dezembro de 2022.

3 – Por fim, a PF encontrou mensagens que, no entender da corporação, indicam que o então comandante do Exército não apoiou a tentativa de golpe e, por isso, passou a ser atacado pela ala bolsonarista. Um dos integrantes, o candidato derrotado à vice-presidência general Braga Netto, em mensagem chamou Freire Gomes de “cagão”.

Veja mais sobre esses 3 pontos abaixo:

Freire Gomes participou de reunião da minuta do golpe

De acordo com a PF, Freire Gomes esteve presente em uma das reuniões que trataram da minuta golpista, realizada no dia 7 de dezembro de 2022, cerca de um mês após o 2º turno das eleições daquele ano.

Além deles, estavam: almirante Garnier Santos, comandante da Marinha, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, o assessor da presidência para assuntos internacionais Filipe Martins, o advogado Amauri Saad e os ex-assessores de Bolsonaro Tércio Arnaud e Sergio Rocha Cordeiro.

Felipe Martins, segundo a investigação, foi quem escreveu a minuta golpista, fez as alterações propostas por Bolsonaro e a apresentou nesta reunião.

Tércio Arnaud é considerado um dos pilares do chamado “gabinete do ódio” e Sergio Rocha Cordeiro cedia seu imóvel funcional em Brasília para o ex-presidente fazer lives.

Cid manda mensagens para Freire Gomes sobre manifestantes, minuta do golpe e reação à carta das 3 forças
Antes do encontro de 7 de dezembro, no entanto, Mauro Cid já havia enviado mensagem eletrônica para Freire Gomes citando, segundo ele, a pressão sofrida por Bolsonaro para tomar medidas mais fortes. Entre 8 de novembro e 9 de dezembro, a PF identificou ao menos três mensagens descritas como provavelmente enviadas de Cid para Freire Gomes. Não há registros nos documentos da investigação de supostas respostas do comandante do Exército.

8 de novembro de 2022: Cid envia áudio relatando que Bolsonaro estava sendo pressionado a tomar medidas mais fortes. A investigação afirma que o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, estava propondo uma “ruptura constitucional com fundamento em uma interpretação anômala do artigo 142 da Constituição”, e os empresários Meyer Nigri e Luciano Hang estariam “instigando” o ex-presidente para que o Ministério da Defesa fizesse um relatório mais duro e contundente com o objetivo de “virar o jogo”.

11 de novembro de 2022: Cid encaminha mensagem de áudio destacando a importância da “Carta das Forças Armadas”, que foi publicada no mesmo dia e assinada pelos três comandantes das Forças: Almir Garnier Santos (Marinha), Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica).

No documento, eles condenaram “eventuais excessos cometidos em manifestações” e criticaram “eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos”.

A investigação afirma que no áudio, Cid destaca a importância da carta para a manutenção e intensificação das manifestações antidemocráticas contra o resultado das eleições presidenciais.

“Pessoal elogiou muito, eles estão se sentindo seguros para dar um passo à frente (…) Os organizadores dos movimentos vão canalizar todos os movimentos previstos (inaudível) o dia 15 [de novembro] como ápice, a partir de agora, tá pro Congresso, STF, Praça dos Três Poderes, basicamente”.

De acordo com a Polícia Federal, a mensagem de Cid “demonstra que já havia uma interlocução entre lideranças das manifestações antidemocráticas e integrantes do governo do então presidente Jair Bolsonaro” e que “havia a intenção de que as manifestações fossem direcionadas fisicamente contra o STF e o Congresso Nacional, fato que efetivamente ocorreu no dia 8 de janeiro de 2023”.

9 de dezembro de 2022: em novo áudio, já depois da reunião no Palácio da Alvorada sobre a minuta do decreto, diz Cid a Freire Gomes que setores estão fazendo pressão pelo golpe e cita ajuste no decreto. “O presidente vem sendo pressionado aí por vários setores a tomar uma medida mais radical, né?”.

Cid ainda revela que Bolsonaro fez ajustes no documento, reduzindo o decreto e deixando “mais direto, objetivo, curto e limitado”.

Ataques a Freire Gomes

Após a reunião do dia 7 de dezembro e áudio de Mauro Cid falando de “pressão” sobre Bolsonaro, foram interceptadas mensagens de investigados atacando o então comandante do Exército.

Veja a cronologia:

9 de dezembro de 2022: Correa Neto questiona Cid sobre aderência de Freire Gomes. O diálogo começa com uma pergunta do coronel: “E o GFG?”, em referência a Freire Gomes. “Difícil, ainda”, diz o ex-ajudante de ordens. Correa Neto esbraveja na sequência: “Que merda, velho! Na bucha é melhor parar de ter esperança, deixar o país se foder e torcer para que os responsáveis pela inação paguem mais caro que o resto”.

O coronel Bernardo Romão Correa Neto é apontado pela investigação como “homem de confiança de Mauro Cid, executando tarefas fora do Palácio da Alvorada que o então Ajudante de Ordens da Presidência da República não conseguiria desempenhar”. Ele foi preso em 11 de fevereiro deste ano pela PF após retornar de viagem aos Estados Unidos.

14 de dezembro de 2022: General Laércio Vergílio envia mensagem a Ailton Gonçalves Moraes Barros, relatando que Freire Gomes “não resistiria a uma boa conversa de ‘rapó’ pra se convencer”, se referindo à necessidade de cooptar o então comandante do Exército para aderir à tentativa de golpe de Estado.

Ailton Barros é capitão reformado do Exército e foi eleito deputado estadual suplente no Rio de Janeiro. Na eleição de 2022, se vendida como o “01 de Bolsonaro”. Ele é acusado de intermediar inserção de dados ilegal no cartão de vacinação da Covid. O esquema forjou dados de pelo menos sete pessoas, incluindo de Bolsonaro e sua filha de 12 anos e de Mauro Cid, sua esposa e suas três filhas.

O general aposentado Laércio Virgílio é apontado pela PF como parte de um núcleo de oficiais de alta patente com influência para endossar medidas para consumação do golpe de Estado. Investigado na operação Tempus Veritatis, ele prestou depoimento à PF em Campo Grande (MS) no dia 22 de fevereiro deste ano.

14 de dezembro de 2022: Ailton Barros envia mensagem para indivíduo com alcunha “Kid Preto”, supostamente Freire Gomes, pressionando e cobrando posicionamento por “atitude patriota”. Em outra mensagem de Barros a Cid, ele questiona se Freire Gomes “voltou a negar porta”, se referindo ao fato de o general novamente ter recusado a aceitar o Golpe de Estado, o que foi confirmado pelo ex-ajudante de ordens.

14 de dezembro de 2022: Em resposta a print enviado por Ailton Barros, Braga Netto encaminha mensagem que teria recebido de um “FE” (Forças Especiais) acusando Freire Gomes de “omissão”.

“Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá e do general Freire Gomes. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”.

14 de dezembro de 2022: Ailton Barros sugere “oferecer a cabeça” de Freire Gomes aos leões e Braga Netto responde: “Oferece a cabeça dele. Cagão”

15 de dezembro de 2022: “Se FG (Freire Gomes) tiver fora mesmo, será devidamente implodido e conhecerá o inferno astral”, diz Ailton a Braga Netto.

15 de dezembro de 2022: Braga Netto envia mensagem a Ailton, orientando-o a atacar o brigadeiro Baptista Júnior (Aeronáutica) e a elogiar o almirante Garnier Santos (Marinha), que teria dito a Bolsonaro “que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento” do então presidente.

Garnier foi assessor especial militar de 4 ministros da Defesa do governo de Dilma Rousseff (PT) entre 2014 e 2016. Em janeiro de 2023, ao ser substituído no início do terceiro mandato de Lula (PT), quebrou o protocolo e faltou à posse do sucessor.

Em agosto de 2021, Garnier mandou blindados e outros veículos militares do Rio de Janeiro até o Palácio do Planalto a fim de entregar a Bolsonaro um convite para um exercício militar. O “desfile”, em 10 de agosto, caiu no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados votaria — e derrubaria — a proposta do voto impresso. Segundo o almirante, a Marinha já tinha definido a data do desfile quando Lira decidiu marcar a votação.

19 de dezembro de 2022: em post no “X” (ex-Twitter), Ailton Barros diz que “é hora da onça beber água” e marca Bolsonaro e Freire Gomes na publicação.

Foto: Reprodução Google.

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