Em uma nova escalada no conflito com a Guiana, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, assinou nesta sexta-feira (8) seis decretos para incorporar Essequibo e transformar o território guianense em um estado venezuelano.
A iniciativa ocorre no dia seguinte ao anúncio de que os Estados Unidos realizariam exercícios militares na Guiana, inclusive em Essequibo, o que a Venezuela interpretou como uma “provocação”.
Pela primeira vez, Maduro deu um horizonte para os planos serem levados adiante: “2030, ou mais”, “para cumprir o mandato do povo que votou pelo sim”. Foi uma referência ao plebiscito realizado no último domingo, com participação de metade dos eleitores da Venezuela, em que a anexação de Essequibo foi aprovada.
Essequibo, uma região maior que a Inglaterra e o estado do Ceará, está atualmente sob controle da Guiana, mas a Venezuela reivindica o território como seu.
Os seis decretos —que haviam sido anunciados na terça (5)— determinam:
-A criação do estado de Guiana Essequiba (como é chamado Essequibo na Venezuela).
-A criação de uma comissão com “setores de todo o país” para “debater a estratégia até 2030, ou mais. Uma estratégia de curto a médio prazo, para cumprir o mandato do povo que votou cinco vezes ‘sim’ em 3 de dezembro”.
-A criação de um Alto Comissariado para a Defesa da Guiana Essequiba, órgão integrado pelo Conselho de Defesa, pelo Conselho do Governo Federal, pelo Conselho de Segurança Nacional e pelos setores político, religioso e acadêmico.
-A oficialização do novo mapa oficial englobando a região de Essequibo, a ser divulgado em escolas e universidades.
-A criação de um setor da empresa estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) para Essequibo e a concessão de licenças para a prospecção de gás, petróleo e mineração.
-A designação de Alexis José Rodriguez Cabello como autoridade da Guiana Essequiba. A sede administrativa dessa autoridade ficará na cidade de Tumeremo, no território da Venezuela. Está prevista, por exemplo, um plano de assistência social, com a realização de censo e entrega de carteira de identidade aos habitantes.
-A criação de uma Zona de Defesa Integral da Guiana Essequiba, com três áreas de defesa integral e 28 setores de desenvolvimento.
-A criação de parques nacionais em Essequiba
A assinatura dos decretos foi feita durante discurso a milhares de pessoas na capital venezuelana. Nele, Maduro falou diante do novo mapa oficial do país, que engloba Essequibo.
O líder venezuelano deve ir a Moscou, em uma viagem já programada, nos próximos dias, segundo o Kremlin.
De acordo com o G1, a Guiana ainda não se manifestou. O país levou ao Conselho de Segurança da ONU a questão; uma reunião a portas fechadas ocorreu nesta sexta-feira. Não houve nenhuma decisão concreta.
Também nesta sexta, o ministro da Defesa do governo brasileiro, José Múcio, afirmou que monitora a crise entre Venezuela e Guiana para evitar que o país seja usado como “instrumento” de um “incidente diplomático” entre vizinhos.
A origem do problema
O território de Essequibo é disputado pela Venezuela e Guiana há mais de um século. Desde o fim do século 19, está sob controle da Guiana. A região representa 70% do atual território da Guiana e lá moram 125 mil pessoas.
Na Venezuela, a área é chamada de Guiana Essequiba. É um local de mata densa e, em 2015, foi descoberto petróleo na região. Estima-se que na Guiana existam reservas de 11 bilhões de barris, sendo que a parte mais significativa é “offshore”, ou seja, no mar, perto de Essequibo. Por causa do petróleo, a Guiana é o país sul-americano que mais cresce nos últimos anos.
A Guiana afirma que é a proprietária do território porque existe um laudo de 1899, feito em Paris, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Na época, a Guiana era um território do Reino Unido.
Tanto a Guiana quanto a Venezuela afirmam ter direito sobre o território com base em documentos internacionais.
Já a Venezuela afirma que o território é dela porque assim consta em um acordo firmado em 1966 com o próprio Reino Unido, antes da independência de Guiana, no qual o laudo arbitral foi anulado e se estabeleceram bases para uma solução negociada.
Guiana pediu ajuda à ONU e à Corte Internacional de Justiça
A Corte Internacional de Justiça decidiu em 1º de dezembro que a Venezuela não pode tentar anexar Essequibo e que isso vale para o referendo.
A Guiana havia pedido para que a corte tomasse uma medida de emergência para interromper a votação na Venezuela.
Em abril, a Corte Internacional de Justiça afirmou que tem legitimidade para tomar as decisões sobre a disputa. Esse órgão é a corte mais alta da Organização das Nações Unidas (ONU) para resolver disputadas entre Estados, mas não tem como fazer suas determinações serem cumpridas.
A decisão final sobre quem é o dono de Essequiba ainda pode demorar anos.
O governo venezuelano disse que a decisão é uma interferência em uma questão interna e fere a Constituição. A vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodriguez, disse que “nada vai impedir que o referendo agendado para o dia 3 de dezembro aconteça”. Ela também falou que, apesar de ter comparecido na corte, isso não significa que a Venezuela reconhece a jurisdição da Corte Internacional de Justiça sobre a disputa.
Foto: Marcelo García.