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Metade do conteúdo de fóruns anônimos da internet, os ‘chans’, é sobre violentar mulheres

As postagens em grupos anônimos, os chamados “chans”, que se notabilizam pelo ódio contra as mulheres, explodiram nos últimos dois anos: passaram de 19 por semana para 228 por hora.

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Mais de 9,5 milhões de posts dentro de 10 “chans” e 47 grupos em aplicativos de mensagens foram analisados entre junho de 2021 e junho de 2023 na pesquisa “Misoginia e Violência contra mulheres na internet: um levantamento sobre fóruns anônimos”, do Instituto Avon.

De acordo com o G1, quase metade (46%) do conteúdo mencionava alguma forma de violência contra meninas e mulheres. Quando as discussões eram sobre pornografia, esse número saltava para 69%.

“Chans” é a abreviação de “channels”, ou seja, canais. Esses espaços são anônimos (90% são encontrados na deep web) e têm como regra de ouro a proibição a presença de mulheres.

O domínio da norma culta da língua portuguesa também é usado como código de superioridade. Valendo-se do anonimato, os frequentadores organizam ataques online, tendo como alvos influenciadoras e celebridades.

Nos posts de canais e grupos analisados na pesquisa, foram encontrados mais de 18 mil comentários que pedem vazamento de nudes ou são fotos e vídeos vazados.

As mulheres são retratadas como objetos para satisfação sexual e chamadas de “depósito” de esperma. Outros termos comuns são “churrascar”, que significa morrer, e “raid”, que é expor intimidades de alguém.

Uma das mensagens diz: “Eu queria muito que ela se churrascasse com esse revólver fodido. Daria um ponto final a essa história. Já não aguento mais ver uma puta se safando só porque é mulher”.

Outros comentam: “Se houve traição, você deve esfaqueá-la e matá-la lentamente”, “Acho que a Júlia vai churrascar” e “Se mata, Júlia”.

Mais uma regra desses grupos é não compartilhar conteúdos sobre pornografia infantil – só que esta não é respeitada. A pesquisa encontrou uma grande demanda dos usuários por conteúdos de meninas menores de idades, chamadas de “novinhas” e “jail bait”, ou seja, “isca de cadeia”.

Nos grupos de aplicativos de mensagens monitorados, 36% têm “vazamento” no próprio título, parte deles seguido pela palavra “novinhas”.

Apesar de serem fóruns anônimos, a pesquisa conseguiu mapear pelas postagens um perfil dos frequentadores. E ele é bem claro: homens heterossexuais, a maioria jovens entre 20 e 24 anos, e que se identificam como conservadores.

São pessoas que “expressam grandes dificuldades socioafetivas, sentimentos de fracasso e rejeição, em especial em relação às mulheres”. E, por isso, repetem posicionamentos misóginos, racistas, xenofóbicos e de incitação à violência – várias delas, até mesmo zoofilia.

E não param por aí: eles usam esses fóruns para organizar ataques, com exposições de intimidade e perseguição moral tanto na internet quanto fora dela. Algumas mulheres chegam a receber até ameaças de morte.

“Os espaços com debates sobre mulheres são marcados por ressentimento, raiva e objetificação”, diz a pesquisa.

Os “chans” são, para esses homens, um espaço de sociabilidade, onde eles buscam outros que pensam da mesma forma. “Há muito confronto de opiniões, discordâncias e críticas, mas também muito acolhimento e compartilhamento de um mesmo ponto de vista”, conclui o estudo.

Foram fóruns desse tipo que fomentaram ataques em escolas dos últimos anos, como o massacre de Realengo, em 2011, e o de Suzano, em 2019. Logo após o ataque, comemorações e mensagens que atribuíam heroísmo à barbárie pipocaram nos posts.

Mas, além de os fóruns na deep web se popularizarem a cada ano, multiplicando o engajamento, essa “cultura do chans” também tem saído da obscuridade e se tornado mais acessível, em plataformas sem anonimato.

A pesquisa constatou o uso de termos antes ditos só dentro dos grupos, como “jail bait” e “depósito”, em redes abertas, como o Twitter e o YouTube. O número de menções de palavras do tipo triplicou entre junho e julho deste ano.

Foto: Reprodução Google.

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