O coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, Miguel Nicolelis, defendeu, durante entrevista ao Bahia Meio Dia, nesta terça-feira (5), um lockdown no Brasil. Nicolelis também comparou a situação de saúde pública do Brasil com a do Reino Unido, que entrou em seu terceiro lockdown para frear o aumento de casos de Covid-19 no país.
“Estamos em uma situação muita parecida com o que está acontecendo na Inglaterra nesse momento. E se vocês viram ontem o depoimento do primeiro ministro inglês, que era contra qualquer tipo de lockdown no começo dessa crise, ele basicamente decretou o terceiro lockdown nacional na Inglaterra, porque o numero de casos da Inglaterra – mais de 50 mil por dia -, e o numero de mortos é recorde da pandemia desde o inicio. E são números muito parecidos com o que temos no Brasil de hoje”, disse o coordenador.
Segundo Miguel Nicolelis, das nove capitais do Nordeste, oito estão com tendência de aumento de casos da Covid-19, três registram crescimento de casos mais acelerado que na primeira onda e outras três estão com a mesma velocidade vista em março e abril.
“Então, a situação é absolutamente crítica. Na região sudeste e sul – São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis -, e também na região centro-oeste, a tendência de crescimento de casos é maior do que na primeira onda. Ou seja, o Brasil está sendo envolvido por uma segunda onda, e ainda temos o risco de já estar recebendo uma nova cepa que aparentemente tem mais facilidade de ser transmitida do que aquela que enfrentamos na primeira onda”, explicou Miguel Nicolelis.
“Precisamos de uma coordenação nacional, especialmente no que tange a questão do plano de vacinação para o país”, completou.
De acordo com o coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, a defesa pelo lockdown no país é baseada em uma projeção de tendência de crescimento ainda maior de casos no futuro, que podem acontecer por causa das campanhas eleitorais feitas em novembro de 2019 e as festas de fim de ano.
“É exatamente o que os cientistas da Inglaterra fizeram há três semanas, e alertaram ao governo inglês que se não entrassem em lockdown nacional, o sistema de saúde da Inglaterra poderia entrar em colapso. Essa é a maneira como os comitês científicos funcionam em todo o mundo. A gente olha para o futuro. Várias semanas no futuro”, disse.
Criação de comissão nacional e fechamento de aeroportos
A proposta apresentada pelo coordenador para frear o número de casos da Covid-19 no país é a criação de uma comissão nacional, com a participação de todos os governos estaduais, para equacionar tudo o que precisa ser feito antes da vacina chegar no Brasil e ao longo do processo de vacinação.
“Porque não podemos parar de fazer essas medidas, que funcionam, como distanciamento social, uso de máscaras, isolamento social mais rígido, mesmo quando a vacinação começar, porque vai levar uma tempo para o efeito da vacinação ser auferido no país como um todo”, disse.
Segundo o G1, ainda não há nenhuma vacina contra a Covid-19 aprovada no país. A permissão pode ser conseguida basicamente por dois caminhos: O primeiro está diretamente ligado aos dois tipos de registro (tradicional ou emergencial) que podem ser dados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Já a segunda possibilidade é baseada na chamada “Lei Covid”, que libera o uso se o imunizante tiver aval expedido por uma agência do exterior, independentemente de registro pela Anvisa.
“Nesse momento é apenas uma expectativa de vacinação. Nós ainda nem temos definidas as vacinas, nós estamos com problemas de insumos básicos para uma campanha de vacinação, como seringas e agulhas. É uma questão extremamente grave, e as pessoas estão achando que a vacinação resolve o problema imediatamente, e não é isso”, explicou.
Miguel Nicolelis explica ainda que se as pessoas continuarem se aglomerando sem fazer o uso de máscaras, as cidades do Nordeste vão registrar uma “explosão” de casos com a chegada do verão. A saída apontada por ele é o fechamento dos aeroportos internacionais brasileiros, que impediriam a chegada de turistas.
“Nós já devíamos ter fechado o espaço aéreo brasileiro para voos vindos do Reino Unido, e de parte da Europa e outros lugares do mundo que já têm essa cepa mais transmissível. Mas nós não fizemos a tempo. Outros países fizeram: Argentina, México, Peru. E nós não. Então, nós podemos repetir os mesmos erros da primeira onda, quando o coronavírus chegou pelos aeroportos internacionais, e depois se espalhou das capitais para o interior do Brasil”, disse.
Colapso no sistema hospitalar
Miguel Nicolelis afirma que Salvador é uma das capitais do Nordeste com tendência de crescimento de casos nos próximos dias e meses. O especialista conta que a velocidade de crescimento neste momento ainda não é maior do que na primeira onda, mas existe a possibilidade do cenário mudar e o sistema hospitalar entrar em colapso.
“Em Recife, Fortaleza, Aracaju, nós já temos essa tendência, e todas essas capitais são conectadas com a Bahia. Então, se você deixar escapar uma região, um estado ou mesmo uma região do Brasil, por causa da alta comunicação rodoviária, aeroviária, e o fluxo de pessoas, as outras regiões também vão receber casos e vão entrar em situação de colapso”, contou.
Para Miguel Nicolelis, existe a expectativa de que pessoas apresentem sintomas da Covid-19, em janeiro e fevereiro, por causa das aglomerações feitas nas festas de Natal e Ano Novo. Outro fato que apresenta preocupação para o especialista é a aproximação das festas de carnaval.
“Nós recomendamos o lockdown em Salvador em 1º de julho do ano passado, porque os números cruzaram 80% das taxas de ocupação, e as curvas de casos e óbitos estavam ascendentes, e nós continuamos mantendo esse critério. Uma vez que a taxa de ocupação seja de 80% e as taxas de casos e óbitos estejam acrescendo, o lockdown é recomendado imediatamente”, afirmou.
Miguel Nicolelis diz que dois ou três dias são necessários para que as taxas de ocupação de leitos subam de 70% para 80%.
“E isso aconteceu na região sul do Brasil. Em Curitiba, em Florianópolis, em Porto Alegre, nós vimos esses números nessa segunda onda, a taxa de ocupação aumentar muito rapidamente. Então continuamos a manter as recomendações que o comitê elaborou desde maio do ano passado. Elas continuam vigentes”, concluiu.
Foto: Gilson Abreu.