O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou nesta terça-feira (13) que o governo federal tem competência para fiscalizar só 6% dos 15 milhões de hectares do Pantanal. Segundo Salles, as demais partes do território são de responsabilidade dos estados.
O ministro participou de uma audiência pública na comissão externa do Senado que acompanha as ações de enfrentamento aos incêndios no Pantanal (veja declarações do ministro no vídeo acima).
Ambientalistas ouvidos pelo G1 dizem que, apesar de apenas uma pequena parte do Pantanal estar sob responsabilidade direta do governo federal, o Ministério do Meio Ambiente tem o dever de atuar na proteção do bioma, especialmente em situações de crise como a vista nas últimas semanas, provocada pelas queimadas (leia mais abaixo).
Quatorze por cento da área do Pantanal foi queimada apenas em setembro deste ano, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número já supera a área de todo o ano passado e é a maior devastação anual do território causada pelo fogo desde o início das medições, em 2002, pelo governo federal. De acordo com análise da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), parceira do Inpe no monitoramento da área queimada, 26% de todo o bioma já foi consumido pelo fogo de janeiro a setembro.
Segundo Salles, o governo tem competência para fiscalizar só 902 mil hectares da área total do bioma, correspondente a reservas indígenas, assentamentos, florestas destinadas e unidades de conservação localizadas na região.
“Estamos falando de áreas que compreendem florestas destinadas, unidades de conservação, terras indígenas e assentamentos em um volume total de 902 mil hectares que corresponde a 6% dos 15 milhões de hectares”, disse Salles aos parlamentares.
De acordo com informações do site do Ministério do Meio Ambiente, 4,6% do Pantanal são protegidos por unidades de conservação, dos quais 2,9% correspondem a unidades de proteção integral e 1,7% de unidades de uso sustentável.
“Volto a dizer que apenas 6% do território do Pantanal é de jurisdição da fiscalização federal. As demais partes do territórios são de competência estadual. E, portanto, o governo federal contribui na sua parcela de jurisdição. Para além disso, com emprego das Forças Armadas”, afirmou o ministro.
Segundo Felipe Dias, diretor-executivo do Instituto SOS Pantanal, o governo tem obrigação moral de zelar pelo bioma.
“Esta afirmação [de Salles] está ligada às áreas que estão sob o domínio federal. Como ele mesmo diz, o restante são propriedades privadas. Contudo a Constituição Federal em seu artigo 225, parágrafo 4º, identifica o Pantanal como Patrimônio Nacional e, sob esta perspectiva, acredito que, mesmo sendo 94% propriedades privadas, o governo federal tem compromisso com o bioma, senão legal pelo menos moral”, disse Dias.
“Penso que, da mesma forma que atuam nas unidades de conservação, as brigadas do PrevFogo do ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] sempre atuaram e continuam atuando no Pantanal independentemente de ser área pública ou privada. Sempre que necessário os governos estaduais solicitam ajuda do governo federal. Na minha percepção, o tempo de resposta é que deixou a desejar”, declarou.
A diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, afirmou que a responsabilidade do gestor federal é mais ampla do que afirma Salles.
“Em uma situação de crise, as instituições do governo federal com a competência para combater e prevenir o fogo devem assumir essa responsabilidade. E, principalmente, a responsabilidade de reforçar a necessidade de não uso do fogo em época de seca, o que ele não fez aparentemente em suas declarações”, disse Ane Alencar.
‘Fogo frio’ e ‘boi bombeiro’
Durante a audiência, Salles defendeu o uso de fogo controlado, conhecido como “fogo frio”, e a criação de gado para combater as queimadas no Pantanal. Porém, especialistas dizem que a lógica de o gado evitar as queimadas por comer matéria inflamável é um mito.
O ministro já havia relacionado a falta de “fogo frio” ao aumento das queimadas no Pantanal. Salles destacou que o fogo controlado ajuda a reduzir o volume de massa orgânica e diminui a proporção dos incêndios.
O ministro falou sobre uma reunião que teve com senadores em Corumbá (MS) na qual, segundo ele, chegou-se à constatação de que é preciso continuar a usar o fogo controlado para reduzir a massa orgânica no local.
“Primeiro é preciso seguir com a política de uso preventivo do fogo, chamado fogo frio, que é um instrumento importante de combate às queimadas, uma vez que diminui o volume de massa orgânica depositada. Feito no momento adequado de forma adequada contribui sim para a diminuição da proporção dos incêndios quando eles acontecem”, disse Salles.
“Clima mais quente, mais seco, com volume excessivo de massa orgânica, fica um fogo de grandes proporções. Se tivéssemos tido o manejo do fogo frio no momento adequado, se tivéssemos tido a manutenção da pecuária como uma das formas de manejo da vegetação e do solo”, afirmou o ministro.
Salles afirmou ainda ter ouvido de “várias fontes diferentes” a necessidade de se reconhecer o papel da criação de gado para reduzir os focos de incêndio na região.
Na semana passada, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse em audiência pública no Senado que se houvesse mais gado no Pantanal, o desastre das queimadas teria sido “até menor”.
Foto: Marcos Corrêa.