Desde que o governo federal apostou no tratamento com cloroquina como principal forma de combate à pandemia de covid-19 – ignorando as recomendações das autoridades de saúde – o tema entrou em debate no Judiciário e em órgãos de controle. Atualmente, são quatro os principais processos que questionam as ações do governo: três no Supremo Tribunal Federal e um no Tribunal de Contas da União.

No STF, os três processos que tramitam sobre o tema têm relação com a escolha do governo em insistir no uso do remédio mesmo sem comprovações científicas que sustentem esta escolha. Já o processo no TCU apura a existência de superfaturamento nas compras de cloroquina pelo governo federal.

Superfaturamento

Segundo o Congresso em Foco, a apuração no TCU começou em junho após manifestação do Ministério Público de Contas. Em seu pedido, o subprocurador-geral do MPTCU, Lucas Rocha Furtado, solicitou a apuração de possível superfaturamento na produção da cloroquina pelo Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEX).

“Embora o possível aumento do custo dos insumos, do transporte e do dólar possa ter influenciado o aumento do preço, ainda assim adquirir o produto por um valor seis vezes maior numa compra sem licitação, a meu ver, representa um forte indício de eventual superfaturamento, situação que merece ser devidamente apurada pelo controle externo da administração pública”, escreveu o procurador.

Diante disso, o procurador pediu que o TCU “decida pela adoção das medidas necessárias a apurar a ocorrência de possível superfaturamento na compra pelo Comando do Exército de insumo para a fabricação do medicamento cloroquina, bem como avaliar a gestão de risco envolvida na decisão em aumentar a produção do fármaco em 84 vezes nos últimos meses, em comparação ao mesmo período nos anos de 2017 a 2019, averiguando a responsabilidade direta do Presidente da República na orientação e determinação para o incremento dessa produção, sem que haja comprovação médica ou científica de que o medicamento seja útil para o tratamento da Covid-19”.

As suspeitas seguem sob análise do TCU.

O pedido mais antigo

A primeira representação judicial mais sólida contra a recomendação da cloroquina para o tratamento da covid-19 veio logo após o presidente fazer as primeiras defesas públicas da droga, em meados de abril. Uma ação proposta pelo Partido dos Trabalhadores elencava diversos pedidos ao STF, entre eles um relacionado à cloroquina.

“Que se abstenha de realizar, por meio de seus canais oficiais e manifestações de qualquer espécie das autoridades públicas federais, a indicação e promoção do uso de medicamentos cuja eficácia para tratamento da COVID-19 não tenha sido comprovada cientificamente, de modo a não induzir a população à automedicação e ao desabastecimento de medicação utilizada para o tratamento de outras doenças”.

Este processo, a Arguição de Desculprimento de Preceito Fundamental 676, não teve os pedidos cautelares acatados pelo ministro relator, Alexandre de Moraes, mas está prestes a ser analisado pelo plenário da Corte. A ação chegou a entrar em pauta, mas sua análise foi adiada e ainda não há uma nova data para jugalmento.

Crime de responsabilidade

Outro processo contra Bolsonaro pelo uso da cloroquina contra a covid-19 veio da deputada Natália Bonavides (PT-RN). Na representação contra os ministros da Saúde, Eduardo Pazuello, e da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, ela  pede que eles sejam processados por crime de responsabilidade por atentar contra a segurança interna do país por fornecerem para a população medicamento sem comprovação científica. 

A ação está sob relatoria do ministro Celso de Mello e já gerou a abertura de um processo preliminar de investigação na Procuradoria-Geral da República. 

A deputada pede o “oferecimento de ação de improbidade contra os noticiados apurando-se ao final, suas responsabilidades, para que a conduta irresponsável, tenebrosa e criminosa perpetrada por um agente público ocupante de importante cargo no governo federal não permaneça pondo em risco a saúde do povo brasileiro.”

Além do aspecto sanitário, a deputada também cita questões de mau uso de dinheiro público. Natália Bonavides alega que mesmo após a Organização Mundial de Saúde descartar a cloroquina como tratamento para a covid-19, o governo insistiu no uso da droga.

“Tal situação, no entanto, não impediu que, de março a junho deste ano, tenha sido gasto quase meio milhão de reais, por meio de um laboratório do exército, na produção de um medicamento acerca do qual, realce-se, o próprio Ministério da Saúde reconhece não haver comprovação científica de sua eficácia para o tratamento da Covid-19. Desse modo, não há qualquer argumento racional e razoável que justifique que tamanho montante seja investido na produção dessa droga”, diz a petição.

No gabinete de Celso de Mello

Os trabalhadores da área da saúde também recorreram ao STF contra as recomendações do governo para o uso de cloroquina. Em junho, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS) e a Federação Nacional dos Farmacêuticos pediram a suspensão das orientações do Ministério da Saúde para uso precoce de cloroquina contra a covid-19. 

O ministro Celso de Mello pediu uma manifestação do Ministério da Saúde sobre as alegações dos trabalhadores. Pazuello respondeu afirmando que os documentos do Ministério são apenas orientações, e não protocolos nem diretrizes para o uso da droga.

“É um documento administrativo de informação e comunicação que reforça a necessidade de divulgação das medidas e possibilidades de combate à enfermidade ora tratada e a inexistência de qualquer ilegalidade em nenhum dos pronunciamentos que constituem o objeto da petição inicial”, diz a pasta.

Após a manifestação do ministério, Celso de Mello não encaminhou o processo para parecer do Ministério Público. 

Além dos pedidos cautelares para que o governo mudasse a forma de uso da cloroquina, os trabalhadores em saúde pediram que o STF “reconheça haver o governo federal descumprido abertamente o preceito fundamental declarado na Constituição Federal de que a saúde é direito de todos e dever do Estado”.

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