O Indicador de Inflação por Faixa de Renda referente a julho, divulgado nesta sexta-feira (14) pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), revela expansão da inflação para todas as faixas de renda, pelo segundo mês consecutivo. Da mesma forma, o indicador confirma alta mais forte da inflação para as famílias de renda mais baixa (0,38%), enquanto as famílias de maior poder aquisitivo têm alta menor (0,27%).
A economista Maria Andreia Parente Lameiras, autora do estudo e pesquisadora do Grupo de Conjuntura do Ipea, explicou à Agência Brasil que essa inflação mais alta para os mais pobres já está ocorrendo desde o fim do ano passado, por alguns fatores. Um deles é que essa camada de menor poder aquisitivo é muito dependente da própria inflação de alimentos.
“Porque os mais pobres gastam uma parte muito significativa da sua renda com alimentos”. No ano passado, por exemplo, ocorreu alta das carnes, que acabou causando impacto nos mais pobres. No começo de 2020, foram fatores sazonais que contribuíram para a inflação. “O primeiro trimestre do ano foi muito pressionado pelos preços de tubérculos e cereais. Agora, no meio do ano, época considerada de alta de leite e carne, o que acaba impactando mais”, disse Maria Andreia.
Por outro lado, os mais ricos, embora tenham sentido também o peso da elevação dos preços de alimentos, mas de maneira menos expressiva, acabaram se beneficiando pela queda dos preços de serviços, que tiveram retração muito forte devido à pandemia do novo coronavírus.
“Foi algo que aliviou muito a situação dos mais ricos”. A queda das passagens aéreas e de combustíveis é um exemplo disso. “Esse mix de coisas fez com que, ao longo de 2020, a inflação dos mais pobres ficasse sempre acima dos mais ricos”. No acumulado deste ano até julho, a inflação dos mais pobres alcançou 1,15%, contra 0,03% dos mais ricos. “É muito maior, porque a pandemia gerou uma desinflação muito grande para os preços dos serviços, que pesam muito para os ricos, mas muito pouco para os pobres”.
Cigarros
As camadas de renda mais baixa não utilizam empregadas domésticas nem clubes, ao contrário dos mais ricos. Já no orçamento dos mais pobres, itens como cigarros têm peso grande no orçamento, ao lado de alimentos, aluguel, energia elétrica, produtos de higiene. “Consomem boa parte do orçamento dessas famílias mais pobres, enquanto as famílias mais ricas gastam muito com plano de saúde, colégio particular, combustível, despesas de automóvel particular, recreação. Eles têm um mix maior de produtos e isso acaba diluindo o peso da inflação”.
Maria Andreia analisou que a tendência para o ano é que haja uma diminuição desse diferencial inflacionário entre mais pobres e mais ricos, porque no segundo semestre vai ser visto algum movimento maior de preços de serviços.
“E mesmo que a gente não esteja esperando uma aceleração da inflação no período, vai parar de ter queda. Isso por si só vai acabar com o alívio que vinha dos serviços para os mais ricos”. Para os mais pobres, a expectativa é que ainda haverá alguma alta dos preços de carnes, leite e ovos mas, em compensação, cereais, frutas e verduras vão dar uma diminuída em função da safra boa deste ano. Com isso, a diferença entre a inflação dos mais pobres e dos mais ricos vai cair, mas é provável que a inflação do ano feche maior para as famílias mais pobres em relação às mais ricas, afirmou a economista.
Foco inflacionário
De acordo com o estudo do Ipea, o grupo habitação concentrou o principal foco inflacionário para as camadas mais pobres da população, respondendo por 50% da variação inflacionária total desse segmento de renda, em função dos reajustes de 0,26% da tarifa de energia elétrica e de 0,53% dos aluguéis. Em menor escala, a elevação observada no grupo transportes, devido ao aumento de 3,1% dos combustíveis e de 0,94% das tarifas do metrô, explica também a maior inflação para os mais pobres, que sofreram ainda alguma pressão dos alimentos, com destaque para carnes (3,7%) e leites e derivados (3,8%).
A classe de renda mais alta foi afetada pelo peso dos combustíveis na sua cesta de consumo. Em função disso, o grupo transporte explicou quase 65% de toda a inflação registrada por esse segmento. Essa pressão, entretanto, foi aliviada, em parte, pela queda nos preços das passagens aéreas (-4,2%) e do transporte por aplicativo (-8,2%).
O levantamento revela que enquanto as deflações dos itens empregada doméstica (-0,52%), clube (-1,46%) e hospedagem (-0,95%) geraram uma contribuição negativa de 0,06 ponto percentual para a inflação da faixa de renda mais alta, o reajuste de 1,3% nos preços dos cigarros provocou contribuição positiva de 0,01 ponto percentual para o segmento de renda mais baixa.
Segundo o R7, nos últimos doze meses, a inflação dos segmentos de renda mais baixa teve alta de 2,9%, contra 1,7% das famílias de maior rendimento.
São consideradas faixas de renda mais baixa famílias com renda domiciliar menor que R$ 1,65 mil. Em contrapartida, são mais ricas famílias com renda domiciliar acima de R$ 16,5 mil.
Foto: MARCELO SAYÃO.