Desde o surgimento do novo coronavírus na China até a chegada dele ao Brasil e, sobretudo, em Brasília, o vocabulário ganhou palavras até então pouco usadas. Entre elas, o tal platô. Seria algo bom? Talvez um indicativo de que as medidas sanitárias adequadas de contenção do vírus estão sendo tomadas? Ou seria apenas o desejo comum de estar com os amigos presencialmente depois de quatro meses de medidas de isolamento e distanciamento social?   

Segundo o Correio Braziliense, nesta sexta-feira (17/7), a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu que o Brasil vive o platô da pandemia. Fator que influencia diretamente neste panorama é a taxa de transmissão do vírus que, segundo a OMS, tem demonstrado quedas desde o fim de junho.

No Distrito Federal, apesar do número ainda alto de novos casos diários de contaminação da covid-19, pesquisadores e o próprio Governo do Distrito Federal falam que os brasilienses estão próximos do pico da pandemia e de uma consequente estabilização – o famoso platô. 

O Correio conversou com o matemático Paulo Angelo Alves Resende, um dos coordenadores do Observatório de Predição e Acompanhamento da Epidemia Covid-19 da Universidade de Brasília (UnB), e com Wildo Navegantes, professor de epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB), para explicar o que significa exatamente a estabilização e, a partir dela, o que podemos esperar da evolução da pandemia.

O que é platô?

Com origem no francês, a palavra platô pode ser utilizada como sinônimo de planalto na área da geografia. Ou seja, significa uma superfície plana e elevada, mesmo cenário que pode ser verificado em uma curva epidemiológica. 

O que isso significa?

Para Paulo Angelo Alves, o que se tem visto é um comportamento de evolução característico desse tipo de doença. Primeiro, há um crescimento exponencial, em seguida, uma estabilização para, a partir de então, regredir. “Hoje, existe um grupo de pessoas imunizadas, então a doença tem mais dificuldade para encontrar pessoas suscetíveis. A imunização começa a trabalhar contra a evolução da epidemia. É o ponto que estamos agora”, explica. 

Este platô não significa uma curva decrescente de infecções, mas somente que o número de pessoas atingidas e de mortes tende a se estabilizar. Isso está relacionado, como esclarece o matemático, à taxa de reprodução da doença, ou seja, à capacidade que uma pessoa infectada tem de transmitir o vírus para uma certa quantidade de pessoas suscetíveis.

Quando ela chega a um quer dizer que 100 pessoas transmitem o vírus para outras 100. “Supondo um número de reprodução inicial igual a 2 e a metade da população já imune, uma pessoa infectada pode ter contato com duas pessoas, mas uma delas não vai contrair a doença por já ter tido, então, só haverá a transmissão para uma e, a partir de então, começa a regressão”, acrescenta. E é justamente nesse ponto que é possível inverter a curva da epidemia, de acordo com pesquisadores.

Apesar de esta taxa ter passado de 1,18, registrada em junho, para 1,12, de acordo com o último boletim do observatório, Paulo pondera que a curva de óbitos por semana ainda não chegou ao pico. “Embora tenhamos chegado ao pico de infectados, nós ainda não atingimos o pico de óbitos. Os números são altos nos próximos dias até começaram a ceder”, comenta. Ainda não dá para saber também o impacto da reabertura das atividades comerciais no DF. “Quanto maior a quantidade de pessoas infectadas simultaneamente, maior o risco de contaminação. Esse contingente está estável e a tendência é regredir. Mas ele reflete as interações sociais.”

A altura na qual a curva da evolução da epidemia tem se estabilizado em diversos estados brasileiros depende do tamanho da população e do número inicial de reprodução da doença, que depende do contexto social. “Aqui no DF, isso está compatível. O ponto de inflexão é ter uma atuação com inteligência epidemiológica para reduzir a taxa de contaminação”, pontua Alves.

Na avaliação do coordenador do observatório, mais do que nunca, agora é hora de fazer uso dos instrumentos de vigilância, da infraestrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), com profissionais da saúde, assistência social, para procurar e encontrar os pontos de contágio. “E trabalhar na supressão da doença”, acrescenta.

Vacina, isolamento e rastreamento de casos são a solução

“As ideias de platô e pico são meio fictícias para poder interpretar a ocorrência diária de qualquer doença”, avalia o professor de epidemiologia Wildo Navegantes. Para ele, enquanto houver situações que favoreçam o contágio, o nível de casos permanece por mais tempo. 

“Trata-se de uma grande onda. Quando todo dia tem um número de casos muito semelhantes, pressupõe-se que ainda não alcançou um nível que vai começar a reduzir. A redução só vai acontecer mesmo quando tiver três cenários: primeiro, intervenções farmacológicas, como vacina e medicamento; segundo, a intervenção de permanecer em casa, porque a gente não favorece que as pessoas entrem em contato com as outras e o governador tem a oportunidade de fazer com que as pessoas entendam a necessidade de, se estiverem doentes, ficarem em casa e informarem a equipe de saúde; o outro lado é a intensificação por parte do Estado da investigação de contatos, ou seja, os agentes que vão até as pessoas para elas serem detectadas e só procurarem o sistema de saúde em casos graves”, explica.

“As ideias de platô e pico são meio fictícias para poder interpretar a ocorrência diária de qualquer doença”, avalia o professor de epidemiologia Wildo Navegantes. Para ele, enquanto houver situações que favoreçam o contágio, o nível de casos permanece por mais tempo.  “Trata-se de uma grande onda.

Quando todo dia tem um número de casos muito semelhantes, pressupõe-se que ainda não alcançou um nível que vai começar a reduzir. A redução só vai acontecer mesmo quando tiver três cenários: primeiro, intervenções farmacológicas, como vacina e medicamento; segundo, a intervenção de permanecer em casa, porque a gente não favorece que as pessoas entrem em contato com as outras e o governador tem a oportunidade de fazer com que as pessoas entendam a necessidade de, se estiverem doentes, ficarem em casa e informarem a equipe de saúde; o outro lado é a intensificação por parte do Estado da investigação de contatos, ou seja, os agentes que vão até as pessoas para elas serem detectadas e só procurarem o sistema de saúde em casos graves”, explica.

A circulação, sobretudo em uma cidade marcada pela desigualdade social como a capital do país, também interfere na taxa de reprodução do vírus. “Nas regiões administrativas, temos velocidades distintas dessa taxa. É um somatório de distanciamento social, adensamento das casas, o uso ou não de transporte coletivo”, explica o epidemiologista.

Foto: ISAAC LAWRENCE.