O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, determinou, nesta sexta-feira (22), a liberação do vídeo e da transcrição da reunião de 22 de abril do presidente Jair Bolsonaro com seus ministros no Palácio do Planalto. Apenas duas rápidas menções a outros países foram suprimidas. Na reunião, Bolsonaro falou de pretenso plano da China de dominar o Brasil, envolvendo-se nos negócios do país. E mais: que o serviço secreto chinês teria agentes infiltrados nos ministérios. Pelo que Bolsonaro disse ter lido em algum lugar, espiões chineses estão trabalhando para entrar em licitações com o intuito de comprar “nossas empresas”.
Continuando, o presidente disse que se o comprador das “nossas empresas” fosse o Paraguai seria fácil tomá-las de volta. Mas, no caso da China — grande comprador de soja, carne e minério brasileiros — a dificuldade seria bem maior. Outra menção ao Império do Meio, também suprimida, é de uma fala do ministro da Economia. Ao dizer que a China deveria lançar um novo Plano Marshall (plano de recuperação econômica da Europa, patrocinado pelos Estas Unidos, após a Segunda Guerra), Paulo Guedes atribuiu ao país a causa da pandemia, como algo premeditado.
Em determinado momento, Bolsonaro exibe sua monomania persecutória contra a imprensa e adverte os ministros: caso algum deles viesse a ser elogiado pela Folha de S.Paulo, pelo Globo ou pelo site O antagonista, seria sumariamente demitido. Ou seja, sequer precisaria dar entrevista ou atenção a esses veículos. Bastaria ser elogiado. Como já se sabia, além de bobagens e profanidades a granel, o vídeo revela o linguajar chulo e indigente do encontro.
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, por exemplo, chamou os ministros do STF de “vagabundos” que deveriam ir todos “para a cadeia”. Dado o encontro fortuito do delito de injúria — que não era objeto da causa — o ministro consignou o registro para, caso os demais ministros queiram, possibilitar o ingresso de ação por dano moral. A ministra Damares também se referiu de forma grosseira ao Supremo, mas nada que configurasse um delito.
Segundo o Wscom, o vídeo também mostra que Weintraub, subitamente, na reunião, passou a atacar Brasília. Disse o quanto detesta a cidade e o partido comunista — sem especificar qual. O Distrito Federal, disse ele, “é um cancro”. Por fim, também foi tratado o tema que ensejou a abertura do inquérito: a acusação do ex-ministro da Justiça Sergio Moro de que Bolsonaro teria pedido interferência na Polícia Federal. Os trechos referentes a essa discussão já tinham sido divulgados pela Advocacia-Geral da União. Celso de Mello produziu uma nota explicativa com três links: a decisão, o vídeo e a degravação. A decisão ficou pronta na madrugada de hoje, mas como foram necessárias providências técnicas, como o upload do vídeo no site do STF, isso atrasou a divulgação em algumas horas.
Fundamentação
Para fundamentar sua decisão de liberar o conteúdo da reunião, o ministro Celso de Mello registrou que não há, no material, qualquer assunto sensível que possa ferir a segurança nacional. Entre os precedentes autorizadores da decisão, o decano invocou o caso Watergate, quando o então presidente Richard Nixon, para negar as gravações que o envolviam, invocou o “privilégio executivo” que lhe daria, em tese, imunidade. A Suprema Corte, porém, decidiu que o privilégio existe apenas em relação a questões sensíveis — não para investigação de prática criminosa. A votação (8 X 0) só não foi unânime porque um ministro, recém nomeado por Nixon, deu-se por suspeito.
Em comum com as gravações de agora, as que levariam ao impeachment de Nixon (que não chegou a ocorrer, já que ele renunciou antes) tinham as mesmas condutas constrangedoras dos protagonistas que, igualmente, comunicavam-se basicamente com palavrões.
O ministro enfatizou também o direito de Sergio Moro às provas necessárias para sua defesa. Havendo dados relevantes para sustentar teses ou estratégias — sejam de Moro, de Bolsonaro, da PGR ou dos congressistas que se movimentam para um pretenso processo de impeachment — o STF não poderia sonegar acesso ao material. A ninguém interessaria o manto da escuridão. O direito à prova, assinala, é básico no devido processo legal e no amplo direito de defesa. Moro teve do ministro, rigorosamente, tudo o que negou aos réus quando era juiz.
O relator registrou que o presidente da República cumpriu a determinação que lhe foi imposta pelo Judiciário e que ele, como qualquer cidadão, não tem direito de desobedecer — já que a ninguém é dado descumprir ordem judicial, inclusive do Supremo. Recado translúcido, de vez que, há pouco, Bolsonaro trombeteou que não se submete, uma vez que ele seria a Constituição. O tom do ministro, contudo, entre o elegante e o irônico, admoesta o ex-capitão.
Próximos passos
O ministro elogiou o trabalho da Polícia Federal, pela correção e precisão dos trabalhos. Os próximos passos dependem da inquirição dos delegados citados e de eventual desdobramento das acusações feitas pelo ex-aliado de Bolsonaro, o suplente de Flávio Bolsonaro no Senado, Paulo Marinho. O próprio presidente Bolsonaro deverá ser ouvido no inquérito.
Pela abordagem do ministro, não se divisam elementos que possam comprometer a conduta de Sérgio Moro, uma vez que seu desabafo na despedida do cargo não configurou ofensa ao presidente.
Embora não tenha sido finalizada a perícia do Instituto de Criminalística, não há dúvidas quanto à autenticidade do material. Não se verificaram nas gravações cortes nem edições.
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