O Ministério da Saúde pediu ao Ministério da Economia a liberação de R$ 5,2 bilhões para enfrentar a Covid-19 em 20201. Ofício assinado no dia 29 de janeiro pelo secretário-executivo da Sáude, Elcio Franco, afirma que os recursos são necessários para custeio de serviços de atenção especializada, “especialmente leitos de UTI”, entre outras despesas.
Nesta sexta-feira, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) revelou que o número de leitos habilitados para a doença com custeio do governo federal cairá dos atuais 6.830 para 3.187 até o fim de fevereiro. Eram 7.717 em janeiro.
Os estados já manifestam preocupação com a falta de auxílio da União para o combate à pandemia.
Pelo menos nove unidades federativas estão com taxas de ocupação para leitos de UTI dedicados à Covid-19 em torno ou acima de 80% — o maior número desde meados de dezembro. São elas: Acre (com 98% de ocupação), Amazonas (91%, dados apenas de Manaus), Ceará (81%), Goiás (89%), Mato Grosso (79,7%), Paraná (83%), Pernambuco (82%), Rondônia (94%) e Roraima (87%).
O ofício assinado por Franco, obtido pelo GLOBO, assinala que os recursos previstos no Orçamento de 2021 para o Ministério da Saúde “já encontram-se comprometidos até o final do exercício”. O Orçamento deste ano, que ainda não foi aprovado pelo Congresso, prevê para a pasta R$ 136,7 bilhões, de acordo com dados do Ministério da Economia.
Além dos serviços de atenção especializada, Franco solicita “apoio à atenção básica de municípios por meio da manutenção do efetivo de médicos já contratados e custeio de profissionais de saúde residentes; disponibilização de testes para diagnóstico; manutenção de equipes de saúde indígena; disponibilização de equipamentos de proteção individual”.
O secretário-executivo da Saúde ressalta que as “graves repercussões sanitárias, sociais e econômicas (relacionadas à Covid-19) são de conhecimento público”, assim como a persistência da doença, revelada pela evolução do número de casos e mortes. Para Franco, estes fatores aumentaram a pressão sobre a capacidade instalada do Sistema Único de Saúde (SUS) e, por isso, demandam recursos orçamentários emergenciais, “até que a vacinação da população produza efeitos no controle da situação epidemiológica”.
Crédito extraordinário
No ano passado, o governo federal liberou R$ 63,7 bilhões para o Ministério da Saúde por meio de uma rubrica específica para combater a pandemia, chamada de “enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”. Agora, a pasta quer mais R$ 5,2 bilhões nessa mesma rubrica, “com vistas a atender às necessidades de saúde pelo período aproximado de seis meses”.
O Ministério da Saúde pede a edição de um crédito extraordinário, que é executado fora do teto de gastos — regra que impede o crescimento das despesas da União acima da inflação do ano anterior. Neste ano, está mais difícil editar esse tipo de crédito porque o Orçamento de Guerra e o Estado de Calamidade Pública perderam validade em 31 de dezembro.
Em outro documento interno da Saúde, o subsecretário de Planejamento e Orçamento, Arionaldo Bomfim Rosendo, ressalta que a Covid-19 persiste em um ambiente extremamente complexo. Segundo ele, há incertezas “que vão desde a produção de anticorpos por aqueles que já foram infectados aos impactos de novas cepas do vírus, passando pelas características e circunstâncias que influenciam a taxa de transmissão e o número de mortes”:
“Além do elevado número de doentes que estão ingressando no SUS para tratamento em razão da Covid-19, dependendo do comportamento da doença os entes precisarão de apoio inclusive para organizar o fornecimento de itens essenciais para o atendimento, como está acontecendo no Amazonas e em Rondônia”, diz Rosendo, em referência à falta de oxigênio nesses estados.
Procurados, os ministérios da Economia e da Saúde não responderam aos pedidos de entrevista.
Desabilitação de leitos
Pelo menos 26,6 mil pessoas estão internadas por Covid-19 em leitos públicos de enfermaria e UTI no país. O número caiu desde o último levantamento do GLOBO, publicado em 27 de janeiro, que apontou 30 mil internações simultâneas pela doença na rede pública. Ainda assim, trata-se de um índice alto e preocupante, à medida em que a doença está em expansão pelo país.
A própria pasta da Saúde confirmou que o custeio da União com leitos habilitados para Covid-19 terá caído de 7.717 para 3.187 entre janeiro e o fim de fevereiro. O levantamento foi divulgado em uma reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), instância do SUS que reúne representantes da União, dos estados e dos municípios.
O governo federal recebeu pedidos de prorrogação para 1.335 habilitações federais, que seguem sem perspectiva de renovação. Outros 2.685 pedidos para a habilitação de novos leitos foram remetidos, mas não houve resposta.
Polêmica com Doria
Nesta sexta-feira, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acusou o Ministério da Saúde de fazer cortes por razões políticas. No estado, diz o tucano, 3,2 mil leitos de UTI foram desabilitados. O investimento do governo federal nessa infraestrutura foi de R$ 1,5 bilhão entre abril de 2020 e fevereiro de 2021, de acordo com a Secretaria de Saúde. Agora, o Palácio dos Bandeirantes e as prefeituras assumirão as despesas.
— O Ministério de Saúde quebra o pacto federativo ao impor a São Paulo a desabilitação destes leitos e estabelece claramente um viés político no enfrentamento de uma crise gravíssima de saúde — afirmou Doria. — Utilizaremos todos os canais se mantida essa decisão. Vamos judicializar, vamos ao Supremo (Tribunal Federal).
Em nota, a pasta rebateu Doria, afirmando que “não houve nem há nenhum ato administrativo de desabilitação de leitos de UTI para Covid-19”, e que os atos da pasta são pactuados de forma tripartite com o Conass e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems):
“O governador do Estado de São Paulo mente ou tem total desconhecimento do ato. “Como o ônus da prova cabe àquele que acusa, resta ao governador comprovar o que chamou de crime e de quebra de acordo federativo. Esse tipo de desinformação é um desserviço ao povo brasileiro”, diz o comunicado.
Já a Secretaria estadual de Saúde do Rio de Janeiro disse, em nota, que os 740 leitos de UTI habilitados pelo ministério da Saúde em dezembro permanecem recebendo financiamento federal.
Após a publicação da reportagem, o Conass comunicou que “espera que a solicitação do Ministério da Saúde ao Ministério da Economia para o aporte R$ 5,2 bilhões destinados a enfrentar a Covid-19 em 2021 seja bem sucedida e acatada com urgência”.
O Conselho destaca ainda que a contribuição do Ministério da Saúde no combate à pandemia “possibilitou a oferta de mais de 20 mil leitos de UTI para Síndrome Respiratória Aguda Grave/Covid-19 à população brasileira”.
“Em dezembro de 2020, dos 20.770 leitos então em uso, 12.003 encontravam-se habilitados, ou seja, financiados pelo Ministério da Saúde. Porém, a expiração dos recursos extraordinários para o enfrentamento da pandemia, em dezembro de 2020, levou à queda do número de leitos para 7.717 em janeiro de 2021 e para apenas 3.187 em fevereiro, em um cenário de aumento crescente do número de pacientes. Tal situação exige a urgente habilitação de leitos e a garantia do financiamento necessário a seu funcionamento, inclusive para a contratação de recursos humanos”, diz a nota.
Foto: Márcia Foletto.