O Ministério da Saúde afirmou nesta quinta-feira (28) que não há evidência científica de que a ampliação do intervalo entre a aplicação da primeira e a segunda dose de vacinas contra a Covid-19 irá oferecer a proteção necessária para a população. Com isso, a pasta pede que os estados sigam a orientação de vacinar o primeiro grupo prioritário com as duas doses.
A orientação do governo federal era para que os estados distribuíssem aos municípios só metade do lote de CoronaVac, para garantir a segunda aplicação.
Na quarta-feira (27), o governo de São Paulo enviou um ofício ao órgão federal solicitando autorização para usar todas as doses da CoronaVac disponíveis na primeira dose, sem reservar a metade para a segunda. O objetivo é imunizar mais profissionais de saúde no momento em que ainda há escassez de doses.
O comitê de profissionais de saúde que orienta as ações da gestão estadual no combate à pandemia recomendou que o prazo de 28 dias estipulado na bula da vacina possa ser ampliado. Segundo os especialistas, o adiamento não interfere na eficácia da imunização.
Em nota enviada ao G1 nesta quinta, o Ministério da Saúde não respondeu diretamente se irá atender ao pedido feito pelo governo estadual, mas afirmou que “é imprescindível que todas as unidades de saúde da Federação cumpram as diretrizes para que o país tenha doses suficiente para imunizar, com as duas doses previstas, este primeiro ciclo da campanha de vacinação – e garanta, desta forma, uma imunização eficaz no país”.
“É importante ressaltar que as recomendações têm como base os estudos clínicos da fase 3 do imunizante, que indicam que o intervalo entre a primeira e a segunda dose deve ser de duas a quatro semanas. Não há, até o momento, evidências científicas de que a ampliação desse intervalo irá oferecer a proteção necessária à população”, disse também a pasta.
A Secretaria Estadual de Saúde afirmou ao G1 que ainda não recebeu a resposta oficial do governo em relação ao ofício enviado na quarta-feira.
Pedido ao Ministério
O governo de São Paulo enviou nesta quarta-feira (27) o ofício ao Ministério da Saúde solicitando autorização para usar todas as doses da CoronaVac disponíveis na primeira dose, sem reservar a metade para a segunda.
Até agora, a orientação do governo federal era para que os estados distribuíssem aos municípios só metade do lote de CoronaVac, para garantir a segunda aplicação.
“Considerando a necessidade de imediata ampliação do processo de vacinação e considerando a escassez ou insuficiência de imunizantes enviados pelo Ministério da Saúde, [o governo] solicita a utilização de todo o quantitativo da CoronaVac sem reservar metade para a segunda dose”, diz pedido assinado por Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, e pelo secretário da Saúde, Jean Gorinchteyn.
Também nesta quarta, Centro de Contingência do Coronavírus do governo de São Paulo recomendou que o intervalo de aplicação entre as duas doses da CoronaVac seja ampliado para mais de 28 dias, mas a decisão sobre a possibilidade de estender o intervalo entre as doses caberá ao governo federal, por meio das regras do Programa Nacional de Imunização (PNI).
“O que nós temos neste momento é uma diretriz do PNI que recomenda que a vacina CoronaVac seja aplicada em duas doses em um intervalo entre 14 e 28 dias. Todos os lotes encaminhados para os governos estaduais vêm com uma recomendação expressa do Ministério da Saúde”, afirmou o secretário executivo da Secretaria Estadual de Saúde, Eduardo Ribeiro.
Para o comitê de contingência, formado por 20 especialistas em saúde, adiar a segunda dose pode até ser mais eficaz.
“Hoje, a segunda dose está prevista para ser feita em até 28 dias após a primeira. No entanto, do ponto de vista científico biológico, é possível pensar que a segunda dose dada em uma data posterior aos 28 dias seja até mais eficaz. Então, o Centro de Contingência, neste momento, é favorável à possibilidade de ter uma extensão”, afirmou o coordenador do Centro de Contingência, Paulo Menezes nesta quarta.
Cientistas ouvidos pelo Jornal Nacional dizem que atrasar a segunda dose não compromete a eficácia, mas, para eles, os estudos clínicos dizem pouco sobre qual é a proteção obtida com uma dose só.
“Atrasar não vai alterar a eficácia, não vai perder a validade da primeira dose. Não é jogar fora e começar tudo de novo – a gente pode atrasar o reforço sem nenhum prejuízo pra eficácia da vacina”, diz Natália Pasternak, doutora em Microbiologia e presidente do Instituto Questão de Ciência.
“A gente não sabe qual é a proteção que a primeira dose dá sozinha, antes da segunda dose. Então, essa janela, o ideal é que ela não se afaste muito. Então, a gente planejou essa janela pra 21 dias. Não deu pra fazer em 21?, vou fazer em 28 – tem problema? Vou fazer em 40, tem problema? Problema pra eficácia não tem. O problema é a demora, que justamente deixa as pessoas expostas por mais tempo – só com uma dose que a gente não sabe o quanto protege”, completou.
No site do Butantan, a bula da CoronaVac diz que o intervalo entre a primeira e a segunda dose deve ficar entre duas e quatro semanas.
Cidade de SP
Na cidade de São Paulo, todas as doses recebidas já estão sendo usadas na primeira aplicação. O governo estadual já comunicou a prefeitura que enviará as vacinas para segunda dose.
Depois de ter recebidos as doses da vacina de Oxford, a Prefeitura de São Paulo ampliou nesta quarta a vacinação para todos os profissionais de saúde das unidades básicas de saúde, idosos em instituições e pessoas com transtorno mental em residências terapêuticas.
A Prefeitura diz que dos 500 mil profissionais de saúde que precisam ser vacinados, 180 mil já foram imunizados.
“Da Coronavac, 91% nós já vacinamos, nós já utilizamos. Nós distribuímos praticamente tudo. Nós já utilizamos 91% delas. [faz pausa] Nós vacinamos com a Coronavac num primeiro momento todos os profissionais de saúde da linha de frente de atendimento da Covid 19, médicos e enfermeiros. Além disso, nós vacinamos, de hospitais públicos e privados, e também vacinamos os idosos que estavam acamados em asilos e instituições de longa permanência, e cerca de 2 mil indígenas aldeados na cidade”, disse o secretário da Saúde da cidade, Edson Aparecido.
População e doses
O PNI contra a Covid-19 conta atualmente com 6 milhões de doses da CoronaVac que foram autorizadas no primeiro pedido de uso emergencial à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e por outros 4,1 milhões referentes ao segundo pedido. Há ainda 2 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca.
No entanto, o montante é insuficiente para vacinar toda a população prevista nos primeiros grupos prioritários. Só no estado de São Paulo, por exemplo, a estimativa é que tenha 1,5 milhão de profissionais de saúde nesse grupo. Seriam necessárias, portanto, 3 milhões de doses da CoronaVac, considerando as duas aplicações.
O estado de SP tem cerca de 9 milhões de pessoas que teriam prioridade para imunização. Esse número considera profissionais da saúde, povos indígenas, quilombolas e idosos. Por não haver quantidade suficiente de doses, a campanha começou com profissionais de saúde que atuam na linha de frente do combate à pandemia, indígenas, quilombolas e idosos internados em instituições.
Foto: Amanda Perobelli.