Os presidentes das associações de Peritos Criminais da Polícia Federal (APCF) e dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) defendem que o presidente Jair Bolsonaro se mantenha afastado das investigações conduzidas pela instituição.

Para o presidente da APCF, Marcos Camargo, Bolsonaro pode e, em muitos casos, deve ter informações da PF, mas elas devem se referir a dados para políticas públicas e questões de segurança nacional. “É desejável que esse contato presidente-Polícia Federal seja feito pelo ministro da Justiça”, defendeu Camargo. Segundo ele, o presidente não pode receber informações de investigações, pois isso cria uma proximidade indevida com a atividade policial. “O presidente tem que estar distanciado das questões investigativas da polícia”, defendeu.

O presidente da associação dos delegados, Edvandir Paiva, acredita que Bolsonaro ainda precisa compreender o papel da Polícia Federal como uma instituição de Estado, e não de governo. “Parece-me que o presidente tem algumas interpretações que não correspondem com a legislação. A Polícia Federal não é órgão de assessoramento do governo federal. Ela não tem que passar informações de inteligência diretamente para o presidente”, afirmou o delegado ao Congresso em Foco.

De acordo Paiva, quanto mais institucionalmente o presidente da República tratar a PF, melhor será para ele e para a corporação. O delegado evitou responder se o presidente tem interferido politicamente na Polícia Federal, mas ressaltou que isso já ocorreu em outros governos. “Há uma delegada bastante competente, há um ministro do Supremo muito respeitado atuando. Nós vamos aguardar os resultados”, disse ele em referência ao inquérito em curso para apurar atos de intervenção de Bolsonaro na PF.

Ao deixar o Ministério da Justiça, o ex-ministro Sérgio Moro acusou o presidente de tentar interferir politicamente na corporação. A suspeita é de que Bolsonaro queira blindar familiares e amigos de investigações conduzidas pela PF.

Segundo Marcos Camargo, é muito difícil haver uma interferência direta na PF devido à complexidade no trânsito das informações internas. Ainda assim, ele defendeu que se garanta que esse fluxo de investigação não saia do Ministério Público, do Poder Judiciário e da PF. “O fluxo não pode ser compartilhado com mais ninguém, nem mesmo com o presidente”, disse ele.

Para o perito criminal, o depoimento do ex-ministro Moro, divulgado na terça-feira (5), foi cauteloso e não chegou a incriminar o presidente Bolsonaro. “Ele apenas relata fatos que levaram ele a pedir demissão e, ao relatar esses fatos, deixa no ar uma possibilidade de tentativa de interferência”, avaliou. Apesar de não haver, em princípio, caracterização de nenhum crime pelo depoimento em si, ele ponderou ser preciso aguardar o desenrolar do processo.

Superintendências

Os dois representantes da PF elogiaram o currículo do indicado para a superintendência da PF no Rio, o delegado Tácio Muzzi. De acordo com os líderes dos delegados e dos peritos, o nome foi bem recebido pela corporação, em que pese a forma conturbada com que seu a troca. Edvandir Paiva descartou qualquer ligação de Muzzi com o governo ou com o mundo político. “É um colega que tem bastante respeitabilidade interna. É um nome que distensiona”, avaliou o presidente da ADPF. Ele lembrou que Muzzi assumiu interinamente a superintendência do Rio após a saída de Ricardo Saad do posto em 2019. Muzzi vai substituir  Carlos Henrique Oliveira, que foi convidado pelo presidente para a diretoria-executiva da PF, número dois na hierarquia do órgão. “Se nós não estivéssemos no meio dessa confusão toda, seria uma troca absolutamente natural”, disse Paiva. 

Segundo o Congresso em Foco, a superintendência no Rio está no centro das acusações feitas por Moro. Em seu depoimento, o ex-ministro relatou que o presidente disse a ele que queria definir o comando da Superintendência do Rio. De acordo com Paiva, este é um momento delicado para qualquer diretor-geral da PF. Ele ressaltou que a associação vai aguardar os primeiros atos de Rolando Alexandre de Souza para avaliar sua atuação. Como mostrou o Congresso em Foco, os delegados evitaram divulgar uma nota de boas-vindas ao novo chefe para avaliar o início de seu trabalho. “Quando você troca uma gestão, há o risco de que alguns projetos e alguns planejamentos acabem tendo que mudar, acabem parando”, avaliou o presidente da APCF. Para ele, é ruim trocar a direção-geral num prazo tão curto. Mesmo assim, ele avalia que os nomes que farão parte da diretoria da Polícia Federal possuem qualidade técnica.

Mudança na legislação

Os dois representantes consideram que a definição de mandatos fixos para o diretor-geral da PF é pertinente. Os peritos não aceitam, no entanto, que a escolha para o cargo máximo da entidade fique restrita aos delegados. Já o presidente da associação dos delegados defende que a equipe seja trocada conforme o mandato. “Sem mudar a legislação, nunca vai ser um bom momento para uma troca, defendeu Paiva. Em dois anos e meio, Rolando é o quarto diretor-geral a comandar a corporação.

Edvandir Paiva classificou a mudança no Ministério da Justiça como traumática, dado o teor das acusações do ex-ministro Moro. “A Polícia Federal fica no meio de uma narrativa de intervenção e a sua credibilidade fica em xeque”, avaliou. Ele afirmou que as polícias do mundo inteiro têm mandato e isso não mitigaria o poder da Presidência da República. Se já houvesse essa proteção, em sua visão, não estaria havendo dúvida sobre a credibilidade da PF.

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